São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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O SOMBRERO

"O Tesouro de Sierra Madre" ("Treasure of the Sierra Madre", John Huston, 1947) tem um dos grandes momentos do cinema em espanhol. Alfonso Bedoya é o bandido Sombrero Dorado (Chapéu Dourado). Desalmado e brutal, acaba de assassinar Humphrey Bogart e de roubar seus burros carregados de ouro em pó. Bedoya, ignorante, pensa que o ouro é areia e o devolve ao deserto de onde veio com os mesmos golpes de facão com que tirou a vida de Bogart.
Depois vem ao vilarejo como quem vai ao mercado: vender seus burros. Desgraçadamente para o bandido, é o mesmo vilarejo em que Bogart e seus dois companheiros faiscadores os compraram, e um rapazinho reconhece os burros. É aqui que Alfonso Bedoya se coroa de ouro (por assim dizer) na melhor atuação do filme —e, quem sabe, do cinema mexicano. O dono da loja vem dar uma olhada nos burros —e em seu vendedor.
Bedoya: São uns burros porretas, senhor.
Comerciante: E quanto quer por eles?
Bedoya: Doze pesos cada um. Pro senhor faço por essa ganga.
Comerciante: E esses burros têm marca?
Bedoya: Claro. Todos têm seu ferro.
Comerciante: E como ele é?
Bedoya: O ferro? Bom... o senhor sabe... é uma roda com um risco.
Comerciante: Me deixe ver.
(Não é.)
Bedoya: Mas que memória a minha! Deve ser o calor. Eu quis dizer uma cruz com um círculo.
(Também não é essa a marca.)
Comerciante: Você não sabe qual é o ferro porque estes burros não são seus. São de três americanos, que os compraram aqui.
Bedoya: Mas do que você está falando? Nós não somos bandoleiros.
Comerciante: Pois é o que vocês são. Vocês é que assaltaram o trem.
Os moradores, até agora em roda, atacam os bandidos e Bedoya, exaltado, acaba gritando:
— Patifes! Covardes!
Depois, cavando a própria cova antes de serem fuzilados pelos Federais:
Bandido: Que calor terrível!
Bedoya: Não está vendo que nós vamos para esse mesmo inferno?
Mas antes da descarga final, Bedoya faz um último pedido:
— Meu subtenente, posso pegar meu sombrero?

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