São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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O ARCO-ÍRIS

Vincente Minnelli (o melhor diretor de musicais que nos deu Hollywood, ou seja, o cinema) produziu grandes momentos felizes, porque a comédia musical, mais que a comédia, é o cinema da felicidade. Não importa onde dancem ou cantem, está sempre à espera dos protagonistas a vida do outro lado do arco-íris —um final feliz.
Um dos momentos mais memoráveis de um filme memorável, "Agora Seremos Felizes" ("Meet me in St. Louis"), ocorre quando uma ainda agradável Judy Garland (ela continuaria assim em "O Ponteiro da Saudade" e "O Pirata", mas não iria muito além do arco-íris, e sim ao inferno particular da neurose e das drogas) faz uma festa em sua casa para alguns amigos, e na escada Margeret O'Brien, com apenas sete anos, espia sua irmã e os amigos. Judy a convida a descer e a dançar e a precoce O'Brien dança com Judy um cakewalk (lembrem-se que estamos no início do século) que é uma maravilha de delicadeza, de ritmo e de nostalgia musical.
Há dois momentos musicais que se devem à arte feliz de Minnelli. Ambos acontecem em "A Roda da Fortuna ("The Band Wagon"), talvez a obra-prima de Minnelli e talvez, também, o melhor de todos os musicais. Fred Astaire, um ator de cinema acabado, vem a Nova York, seguindo de Los Angeles de trem, e na plataforma da estação há jornalistas à espera de... Ava Gardner. Astaire tira do ar uma canção, "By Myself", que é uma obra de arte delicada e deliciosa.
Mas logo depois vem o grande momento do filme —e da comédia musical. Fred entra numa feira dos arredores e decide limpar os sapatos. O engraxate é Leroy Daniels, um desses duplamente escuros (de cor e de nome) bailarinos americanos, que era um artista com asas nos pés. Ambos, Astaire e Daniels, um vestido de cinza com chapéu de palha, outro com uma enorme camisa havaiana e meias cor de flamingo, produzem um dos momentos mais felizes nessa cornucópia de música e dança que é "The Band Wagon" —que significa o vagão da banda, no qual ele tem a oportunidade de subir e de lá dentro estar com a música. Tudo isso pelo preço da entrada e agora, com a televisão, absolutamente grátis.
Nesse mesmo filme, Fred Astaire, agora acompanhado por Cyd Charisse, vai ao Central Park, em Nova York. Enquanto caminham, apaixonados, ouve-se a introdução de "Dancing in the Dark" e seus passos se tornam passos de dança. O número demonstra, na realidade, o nascimento da dança: um passo, dois passos em uníssono, três passos já dançando.
A mesma beleza morena de Cyd Charisse executa, em "Meias de Seda" ("Silk Stockings"), um strip-tease às avessas: a atriz se veste, começando pelas meias que vão cobrindo suas belas pernas, tudo ao compasso de um beguine de Cole Porter.

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