São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Passeio pela Havana do cinema

CABRERA INFANTE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Havia muitos cinemas em Havana, que se transformou em minha Roma antiga e moderna, mas não contemporânea. O Salón Rojo (Salão Vermelho), por exemplo, teve o nome mudado para Salón Régio, devido a protestos do respeitável, ou, neste caso, das respeitáveis... As senhoras do bairro se negavam a entrar numa sala vermelha, não por serem anticomunistas, mas pelas conotações dessa cor do pecado. Havia o Esmeralda, assim chamado não pela pedra preciosa, mas pela innamorata do corcovado em "O Corcunda de Notre Dame", e não por Victor Hugo, mas Hugo Víctor, o dono do cinema, eternamente apaixonado por Maurreen O'Hara, aquela belezura.
Havia o Violeta, com sua fachada tirante a violeta. E o Cine Cuatrocaminos, encravado numa encruzilhada de cinemas. Havia o Encanto, sempre encantador antes de desaparecer na clausura. Havia um Cine Fausto, mas não um Cine Don Juan. Havia o Niza e o Montecarlo, cines de sevícia, não porque exibissem exibicionistas filmes pornô, avançadinhos que eram, mas porque um menino que ali entrasse penetrava numa selva selvagem de pederastas e pedófilos e putas nada respeitosas. Aqueles cinemas, e não seus filmes, eram proibidos para menores.
O auge dos cinemas de Havana foi em 1940, quando abriu o Teatro América. Dentro de um dos melhores exemplos de arquitetura art-déco da cidade, o América era o cinema mais caro de Cuba naquela época. Hoje o preço da entrada parece ridículo (um peso, que era US$ 1), mas era o melhor cinema de estréias em Havana. (Da primeira vez, seguindo a tradição, fui com um passe grátis conseguido por uma tia). Depois vieram o Radiocentro, o Rodi, o Acapulco, o Astral e o Atlantic, todos salas de estréias, nos quais fui como público e como crítico.
Mas o cinema mais inesquecível de garoto foi o Lira (depois transformado no Capri, pretensioso centro de reunião de cinematecos e cineastas), cuja entrada custava dez centavos para menores e 25 para adultos. Lá eu vi desde as comédias curtas dos Três Patetas até "À Beira do Abismo", em que Humphrey Bogart perseguia as pistas do crime e punha as mãos no criminoso, enquanto era acaraciado por, nessa ordem, Dorothy Malone, Martha Vickers e Lauren Bacall. Uau!
Em minha idade adulta, o inesquecível foi o Cine La Rampa, situado na rua La Rampa. Para alguns o oxímoro perfeito e para mim uma tautologia, o belo cinema.

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