São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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'Não paramos de perguntar'

GEORGE E. PALADE

A questão "o que não sei?" participa estreitamente da vida de todo pesquisador.
Cada descoberta nova —o que significa cada elemento novo de conhecimento— constitui uma etapa que obriga a nos interrogarmos uma vez mais.
O processo científico é uma longa cadeia de interrogações. Cada questão que encontrou sua resposta abre novo campo de investigação a explorar. O programa avança lentamente em direção a uma resposta final ainda desconhecida.
Se todos os cientistas fazem perguntas específicas no quadro de seu programa de pesquisa, raros são os que se arriscam a ampliar suas investigações a um campo ou a um ramo da ciência.
Os pesquisadores de hoje são formados para avançar passo a passo, com lentidão e precaução, a fim de evitar fazer perguntas de ordem geral, exceto se possuem boas razões e bons instrumentos para isso.
No entanto, os que estendem suas interrogações ao domínio geral se encontram muitas vezes na origem das aberturas científicas maiores.
Em meados dos anos 40, a idéia que se fazia da organização das células era ainda muito vaga. Por tê-las observado através de microscópios ópticos pouco possantes, os cientistas conheciam a existência de alguns componentes intracelulares, mas as especulações iam depressa, e uma incessante polêmica causava um grande tumulto quanto à natureza química e à função exata dessas partes microscópicas da célula.
A genética era uma ciência constituída, mas ninguém sabia que a cada gene correspondia um produto genético específico.
Apesar de tudo, os pesquisadores continuaram a publicar artigos e tratados cheios de observações, termos técnicos e especulações sofisticadas sobre essas observações.
Não paramos de nos perguntar quais eram as coisas que não sabíamos e que queríamos compreender.
Ao mesmo tempo conseguimos fornecer inúmeras respostas assumidas e aceitáveis.
Do ponto de vista conceitual e metodológico, nossas pesquisas tiveram um impacto considerável do domínio da biologia celular, a julgar pelo número de laboratórios que trabalharam ou trabalham atualmente com programas aparentados ou intermediários.
Mas a contribuição científica de nosso laboratório se detêm aí. Abordamos outros temas, reiniciamos várias outras descobertas.
Mas não as desenvolvemos. Questões foram levantadas e, em muitos casos, resolvidas por outros laboratórios com resultados notáveis, até espetaculares.
No entanto, muitas coisas permanecem ainda na sombra.
Como os organismos controlam o volume dos seus componentes intracelulares? Gostaríamos de saber como as células e seus componentes se adaptam a novas circunstâncias e como elas corrigem os desequilíbrios.
Estima-se entre 100 e 200 mil o número de genes que formam o genoma humano —o código genético que condiciona nosso desenvolvimento e nossas particularidades. Mesmo nos pequenos mamíferos de laboratório, esse número é considerável.
Gostaríamos de saber quantos genes são necessários para construir uma célula pancreática, e quantos para construir um pâncreas.
E, na mesma ordem de idéias, gostaríamos de saber quantos genes são necessários para fabricar um rim ou um cérebro.
O número de perguntas sem respostas que nos fazemos é infinito.
No momento, responder a essas questões equivaleria a privilegiar o conhecimento por amor ao conhecimento. Mas num futuro mais ou menos próximo poderíamos chegar a identificar os genes que condicionam um desenvolvimento normal.

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