São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Os falsos cidadãos

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA — Para justificar problemas que, em essência, o próprio governo ajudou a criar, o presidente Fernando Henrique Cardoso apontou dois "inimigos" do país: a "direita carcomida" e a "falsa esquerda". É pouco.
Nenhum deles se compara ao estrago provocado pela categoria dos falsos cidadãos —indivíduos que não cultivam os direitos e deveres, mas se mostram defensores do interesse público.
Notícia publicada ontem revela como essa categoria exibiu uma de suas faces numa das discussões mais despudoradas que já presenciei. E só reforça minha suspeita de que o mundo acadêmico brasileiro, imaginado para ser um centro de saber, salva-se pela ignorância da população.
A notícia informa que o Congresso está a ponto de dar o seguinte formato à proposta de exame final aos universitários: não se avalia mais o aluno. É feito o exame, mas o nome do aluno ficaria clandestino. A somatória das notas serviria para se avaliar o nível da faculdade. As indicações até ontem de manhã era de que o governo, contrafeito, toparia.
Leitor, veja se você entendeu. Uma faculdade de medicina, por exemplo, vai formar um bando de homicidas em potencial. Ganhariam o privilégio do anonimato, patrocinado pelos reitores, professores e, pelo jeito, governo. Sem contar a UNE, jovens sem causa —e também sem idéias.
Daí, faço duas perguntas simples: quem protege a sociedade dos candidatos a homicida? Aí é que está, em toda sua crueza, a falsa cidadania, mantida pelo (verdadeiro, diga-se) contribuinte.
Óbvio que o exame final está muito longe de ser a solução perfeita. É, entretanto, um primeiro passo. A discussão séria deveria girar em torno dos mecanismos que melhor pudessem testar o conhecimento dos alunos com base nos currículos mínimos das faculdades —principalmente nas profissões ligadas à segurança e à saúde dos cidadãos.
Na base da falsa cidadania, montou-se um complô motivado, basicamente, pelo receio de que a avaliação exponha o pacto da mediocridade das universidades.
PS — Note-se uma injustiça. O aluno bom e ruim de uma faculdade com média baixa ficam no mesmo nível. Pune-se o estudioso e estimula-se o vagabundo, o que é bem típico do serviço público brasileiro.

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