São Paulo, domingo, 26 de março de 1995
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Deu para entender?

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Nos últimos dias, o presidente Fernando Henrique Cardoso foi alvo de duas manifestações de rua bastante hostis. A primeira ocorreu no Rio de Janeiro quando ele lançou um arrojado programa educacional. A segunda, em Fortaleza, quando deu início à necessária reforma agrária.
O Brasil tem entrado em franca desvantagem nas concorrências com os países da Ásia em vários setores. Os determinantes são vários: tecnologia, tributação, juros etc. Mas há um deles que é absolutamente essencial: a educação.
Os trabalhadores que integram a força de trabalho dos Tigres Asiáticos têm, em média, dez anos de escola —e boa escola. No Japão, são 11 anos. Nos Estados Unidos, 12. Na Europa, idem. No Brasil nossos trabalhadores têm, em média, 3,5 anos de escola. Sim, 3,5! Isso é irrisório, especialmente quando se leva em conta a baixa qualidade da maioria das escolas brasileiras.
A educação faz falta não só para a produção mas também para a democracia. Cesario Motta, na inauguração da Escola Normal da Praça da República, em São Paulo, no final do século passado, prevenia que "a democracia sem educação torna-se uma comédia —senão uma tragédia, pois, nessas condições, a liberdade é trocada pela opressão e o progresso é substituído pela anarquia".
É incrível que, apesar do baixo nível educacional, o Brasil tenha aumentado bastante a parcela de produtos manufaturados na sua pauta de exportação —o que indica uma boa capacidade de aprendizagem dos nossos trabalhadores.
Entretanto, isso não serve de argumento para sentarmos sobre a glória —uma falsa glória. A velocidade meteórica da atual revolução tecnológica está exigindo uma boa educação básica e o aperfeiçoamento contínuo de nossa mão-de-obra. Com isso, a nossa capacidade de produzir e exportar será bem mais elevada. Afinal, o Brasil exporta menos de 10% do seu PIB quando a média mundial é de 20%, sendo que os Tigres Asiáticos exportam mais de 30% de sua produção.
O programa "Acorda Brasil — Está na Hora da Escola" e a assertiva do governo federal em implantar um canal de televisão só para educação até o fim de 1995 poderão promover o necessário salto educacional. Mas esse esforço precisa ter continuidade; deve se basear em tecnologias educacionais que poupem tempo e, sobretudo, necessitam o apoio da sociedade. Nada justifica que grupos de arruaceiros venham a ser contra tais iniciativas.
Houve um tempo em que os senhores de engenho, fazendeiros prósperos, defendiam a manutenção das trevas entre os escravos. Pensei que esse tempo havia passado. Qual não foi minha surpresa ao ver os referidos grupos usarem a esperteza para manipular a ignorância. Esses demagogos, infelizmente, encontram facilidade para mobilizar a ingenuidade popular contra mudanças que, no fundo, visam exatamente a redução da ignorância, da miséria e do abandono, como é o caso das reformas educacional e agrária.
Parece claro que os guardiões do proselitismo se apavoram em face de uma possível resolução desses problemas. Isso é um obstáculo para seus planos. O que será de sua força política no momento em que se acabar com a ignorância, a miséria e o abandono neste país? Por isso, agridem. Deu para entender?

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