São Paulo, terça-feira, 28 de março de 1995
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Cepacs versus São Paulo

FRANCISCO WHITAKER

A credibilidade da Câmara de São Paulo foi muito afetada, há alguns anos, pelas mudanças que fazia na Lei de Zoneamento. Afirmava-se que os interessados em construir acima do permitido se "acertavam" com vereadores dispostos a apresentar projetos com as mudanças desejadas.
Com isso, terrenos valorizavam rapidamente, em benefício dos que participavam da manobra. Tal distorção nas suas funções desqualificava a Câmara como instituição, vista como um "balcão de negócios".
A Lei Orgânica de 90 bloqueou tal prática. As mudanças de zoneamento passaram a só poder ocorrer uma vez por ano. Mas nuvens sombrias se reaproximam, trazidas pelos ventos do recém-aprovado Cepac.
O mercado pode não se arriscar com títulos como este, muito questionados na Justiça. Mas seu simples lançamento já fará funcionar dinâmicas negativas.
Na verdade, o sistema de zoneamento vigente em São Paulo desde 1972 pode ser questionado, como quando da discussão do Plano Diretor proposto pela ex-prefeita Luiza Erundina. Mas tem um mérito: protege-nos da especulação imobiliária selvagem, que vê a cidade não como espaço de vida mas como Lucrópolis.
De fato, preservou a qualidade de muitas áreas, impedindo o adensamento irracional da cidade e o colapso de suas infra-estruturas. Sem o zoneamento, imagine-se como estaria nosso já infernal trânsito.
Ora, os Cepacs são certificados de venda do céu da cidade aos incorporadores imobiliários. Através deles, o atual prefeito Paulo Maluf poderá, portanto, captar infindavelmente —"o céu é o limite"— sempre mais recursos para suas onerosas obras viárias. Sendo que tais dispêndios também permitem a alimentação, via empreiteiras, das famosas caixas eleitorais e dos bolsos de felizes intermediários.
É óbvio então que o prefeito —se conseguir a cassação da liminar que o impediu de promulgar a lei do Cepac— lançará adoidado, rapidamente, no mercado, todos os Cepacs que puder.
Só que, a título de assegurar seriedade a tais operações, o autor do projeto vinculou o lançamento dos títulos a modificações no zoneamento... Resultado evidente: não serão somente os agentes imobiliários que "pressionarão" os vereadores para que mudem o zoneamento.
Com os Cepacs, o principal interessado nessas mudanças será o próprio prefeito. Que dispõe do infalível mecanismo do "é dando que se recebe", para a felicidade dos vereadores inescrupulosos...
O tiro de misericórdia neste processo, fatal para São Paulo, será uma mudança da Lei Orgânica, "flexibilizando" as alterações no zoneamento.
Dois projetos com esse objetivo já estão na pauta das votações... Não é hora dos cidadãos começarem a agir?

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