São Paulo, terça-feira, 28 de março de 1995
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Por que a Previdência deve mudar

FABIO GIAMBIAGI

A proposta de modificar as regras de aposentadoria ganhou a adesão de um número crescente de economistas, devido à inviabilidade financeira do atual sistema a médio prazo. Até agora, o surgimento de uma crise fiscal aguda, associada a um desequilíbrio de caixa da Previdência Social, foi evitado com o aumento da receita e com a redução do valor real dos benefícios individuais, que são recebidos por um número cada vez maior de pessoas.
Esses instrumentos de gestão de caixa, porém, são de eficiência limitada, uma vez que há obstáculos tanto para o aumento da receita como para o achatamento dos benefícios recebidos por cada pessoa individualmente considerada, enquanto que, de outro lado, o incremento da relação inativos/ativos é uma fatalidade demográfica: basta dizer que em 1990 o Brasil tinha 18 pessoas com 55 anos ou mais para cada 100 pessoas com idades de 15 a 54 anos, proporção essa que no ano 2020 terá sofrido um aumento de mais de 50%, na medida em que as projeções indicam que haverá 29 pessoas de 55 anos ou mais para cada 100 pessoas na faixa de 15 a 54 anos.
O fim da aposentadoria por tempo de serviço, portanto, apresenta-se como uma solução natural para a crise fiscal que ocorreria na medida em que o Tesouro tivesse que colocar mais e mais recursos para cobrir o déficit da Previdência.
Aqueles que se opõem à mudança da legislação que regula a aposentadoria por tempo de serviço costumam mencionar dois argumentos. O primeiro é que, para uma expectativa de vida de 68 anos, uma pessoa que tenha começado a trabalhar aos 18 anos e que hoje se aposentaria com 53 anos ficaria, caso tivesse que trabalhar, por exemplo, cinco anos adicionais, com muito pouco tempo —dez anos, conforme o argumento— para usufruir a sua aposentadoria.
O argumento, porém, não se aplica, pois a variável relevante para quem se aposenta não é a expectativa de vida ao nascer —muito influenciada pela mortalidade infantil— e sim a expectativa de sobrevida de quem atinge uma certa idade. Nesse sentido, a observação da tabela é ilustrativa do equívoco do argumento.
Nota-se, por exemplo, que enquanto a expectativa de vida ao nascer é de 68 anos, quem já viveu 55 anos tem a expectativa de viver, em média, em torno de 80 anos, e quem chega vivo aos 65 anos, em torno de 83 anos —com pequenas diferenças, dependendo do sexo. Estatisticamente, um homem que tenha começado a trabalhar aos 18 e se aposente com 40 anos de serviço viveria ainda, em média, outros 21 anos.
O segundo argumento mencionado por aqueles que se opõem à mudança das regras de aposentadoria por tempo de serviço é que tal mudança prejudicaria principalmente a população pobre, pelo fato desta começar a trabalhar mais cedo e viver menos do que a população de renda maior e de maior acesso à saúde.
Entretanto, conforme os dados do Anuário Estatístico da Previdência Social de 1993, o coeficiente valor médio das aposentadorias pagas àqueles que se aposentaram por tempo de serviço/valor médio das aposentadorias pagas àqueles que se aposentaram por idade, nesse ano, foi de 3,6; ou seja, quem hoje está aposentado por tempo de serviço ganha, em média, quase quatro vezes o valor do benefício recebido por quem se aposenta por idade!
Isso explica o motivo pelo qual, embora o número de aposentadorias por tempo de serviço tenha sido de apenas 22% do total de aposentadorias em manutenção em 1993, o peso do pagamento daquelas no total de aposentadorias foi da ordem de 50%.
Em boa parte, isso é explicado pelo fato de que, em geral, os assalariados de maior renda costumam ter carteira de trabalho assinada e melhor controle da sua situação previdenciária, além de ficarem menos sujeitos ao desemprego, o que lhes permite atingir a aposentadoria em um período menor que o das pessoas de baixa renda.
Estas, entre um trabalho e outro com carteira assinada, passam, por vezes, por períodos de desemprego ou fazendo "biscates" sem ter carteira assinada. O resultado disso é que os trabalhadores de maior renda se aposentam frequentemente por tempo de serviço, sem ter que esperar para se aposentar por idade.
Consequentemente, a crítica ao fim da aposentadoria aos 35 anos de serviço, com o argumento de que a medida seria iníqua do ponto de vista distributivo, também não parece ter fundamento nos dados.

FÁBIO GIAMBIAGI, 32, economista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), é assessor do Ministério do Planejamento. Foi professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) de 1985 a 93.

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