São Paulo, terça-feira, 28 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

E a gente paga

A revelação feita na edição de ontem desta Folha de que a Central de Medicamentos do Ministério da Saúde (Ceme) fez compras por um preço duas vezes maior que o de mercado serve como uma ilustração das muitas mazelas que afligem o Estado brasileiro.
Os laboratórios alegam que o sobrepreço era uma proteção contra atrasos no pagamento. Ninguém ignora que o Estado vem de fato se valendo desse expediente espúrio como mecanismo para adiar suas despesas, reduzindo-as em períodos de elevada inflação.
O resultado, porém, é que fornecedores do governo passaram a contabilizar no preço, não só o atraso potencial, mas também a cobrar um sobrepreço em geral muito maior que o prejuízo esperado.
É óbvio que irregularidades delituosas são de alçada criminal e devem ser investigadas e punidas com o máximo rigor. Atitude aliás que seria muito bem-vinda num país que dá poder de vida ou morte para fiscais e que dá ampla impunidade para governos inadimplentes.
Mas conseguir preços competitivos e passar a pagar seus compromisso em dia são mudanças que terão de vir no contexto de uma reforma mais ampla da estrutura e funcionamento do Estado. Só assim o poder público poderá começar a se capacitar para finalmente cumprir suas obrigações para com os cidadãos. Afinal, são esses cidadãos —ou seja, cada um de nós— que sempre saem perdendo.
O problema é que as vítimas têm sido excessivamente passivas na cobrança de erros ou falcatruas administrativas. É evidente que se trata de um problema de educação, no sentido mais amplo da palavra. Não basta pôr sempre a culpa no governo, como se este nascesse por geração espontânea. Não nasce. De 1989 para cá, todas as autoridades —de vereadores ao presidente da República— estão sendo eleitas em processos democráticos.
A sociedade é, portanto, vítima, mas também responsável e, enquanto não aprender essa lição, episódios como o da Ceme e outros, até piores, tendem a se repetir.

Texto Anterior: Lobby do eu sozinho
Próximo Texto: De provérbios e de crise
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.