São Paulo, quarta-feira, 29 de março de 1995
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Uma medida lamentável

OTAVIANO HELENE

A MP enviada pelo Ministério da Educação ao Congresso em 16 de março, alterando as principais leis do sistema educacional brasileiro, é lamentável sob vários aspectos.
Primeiro, por que uma MP? A Constituição brasileira permite que o Executivo legisle, por meio de MPs, quando houver urgência. E, de fato, a crise educacional brasileira exige soluções urgentes. Mas a urgência em educação obedece a uma escala de tempo medida em anos, enquanto, pelos prazos constitucionais, a urgência que justifica uma MP é medida em semanas.
A adoção pelo Executivo de uma MP para regular processos que levarão vários meses ou mesmo anos para dar os primeiros resultados revela autoritarismo e impede que a sociedade discuta as questões em pauta.
Quanto à avaliação dos estudantes ou profissionais pelo MEC, não há, em princípio, nada de errado. A avaliação pode ser um processo redundante e com vários agentes. Vestibulares reavaliam os estudantes que já foram avaliados no ensino secundário; durante todo o curso superior vários professores avaliam, várias vezes, seus alunos, organismos profissionais da sociedade civil podem adquirir legitimidade suficiente para autorizar ou impedir o exercício de profissões; concursos, entrevistas e testes são mecanismos perfeitamente aceitáveis para a seleção de profissionais. Mas, na prática, há muitos erros.
Nos mesmos moldes em que várias escolas secundárias se transformaram em cursos preparatórios para o vestibular, o mesmo ocorrerá com faculdades, especialmente aquelas mais interessadas na imagem comercial que passa à população do que na solidez da formação de seus jovens. Se o resultado do exame do MEC tiver alguma consequência prática (vier a ser usado como informação para a seleção de profissionais, por exemplo), surgirão os famigerados cursinhos preparatórios.
Ao MEC cabe fiscalizar as instituições de ensino superior, o que seria muito mais fácil, barato e eficiente do que preparar e avaliar exames nacionais. E isso ele não tem feito e nada indica, na MP, que venha a fazê-lo. E como acreditar que um organismo que ao longo dos anos tem sido incapaz de proceder a qualquer controle das instituições de ensino venha a ser capaz de aplicar exames uniformes, rigorosos, sigilosos e bem corrigidos e analisados a centenas de milhares de pessoas por ano em todo o país? E se ele vier a ser capaz disso, por que não fazê-lo logo nos primeiros semestres letivos, permitindo corrigir as instituições que se mostrarem falhas, antes do estrago estar feito?
Mais ainda: há inúmeras instituições de ensino secundário cujos alunos têm um péssimo desempenho no vestibular e que continuam existindo e tendo sua clientela. Há também inúmeras instituições de ensino superior cujos diplomas têm apenas um caráter burocrático e que continuam funcionando. Os exames da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) em nada contribuíram para melhorar o ensino de direito no país. Será, que depois de tantos exemplos práticos, alguém acredita que o exame do MEC terá algum efeito? Como é possível que o MEC registre os diplomas e autorize o exercício de profissões por pessoas que ele avaliou como estando insuficientemente preparados?
Mas há mais problemas. No caso das instituições federais, as listas tríplices para a escolha de dirigentes universitários deverão ser elaborados por colegiados com no mínimo 70% de docentes e com votação uninominal. Caso haja consultas prévias à comunidade, essa regra também deve ser adaptada.
Primeiro, essa regra fere o princípio da autonomia universitária consagrado na Constituição. Segundo, o processo de escolha de dirigentes tem variado nos últimos poucos anos de uma maneira muito rápida quanto aos mecanismos de escolha, quanto às proporções dadas às opiniões dos vários segmentos das universidades e aos mecanismos de votação e quanto à multiplicidade de nomes na lista de preferência de cada eleitor. Além disso há variações entre as várias instituições.
Isso mostra que nossas universidades ainda estão se adaptando aos compromissos com a democracia, a autonomia e a qualidade acadêmica. Como pode o MEC quantificar com tanta precisão (lista tríplice, 70% de peso à opinião docente e voto uninominal) aqueles compromissos? Estender toda essa regulamentação aos processos de consultas informais à comunidade acadêmica, o que é feito na MP, parece ridículo!
Há ainda um terceiro ponto: por que o MEC é tão rigoroso e preciso quando se trata dos mecanismos de escolha de dirigentes de instituições federais e deixa completamente à vontade as instituições privadas, grande parte delas sem compromissos com a democracia, a autonomia didático-científica e a indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa?
Finalmente, restam ainda perguntas ao MEC. Aprovada pela Câmara, a proposta de Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional está no Senado. Essa proposta foi fruto de anos de trabalho de parlamentares, educadores, sociedades científicas, sindicatos, partidos políticos e de membros do próprio MEC.
Longe de ser perfeita, ela contém o equilíbrio possível entre as necessidades, as possibilidades, os interesses e as vontades de praticamente todos os agentes ligados à educação. A MP do MEC choca-se, em muitos pontos, com aquela proposta. Que luzes teriam iluminado o sr. ministro e seus auxiliares para se chocarem tão violentamente contra a proposta ora no Senado?

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