São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 1995
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A educação exige um diálogo franco

ANTÔNIO DIOMÁRIO DE QUEIROZ

O presidente Fernando Henrique Cardoso define como objetivo central da ação governamental, conforme expresso no seu plano de governo, melhorar a qualidade da educação, em todos os níveis, num processo de repensar o que está sendo feito e fazer mais e melhor.
"A educação é pilar central da política social", como afirmou o sr. ministro da Educação, Paulo Renato Souza, aos líderes mundiais presentes à recente Cúpula sobre o Desenvolvimento Social em Copenhague (Dinamarca).
Identificados com esse objetivo, as Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior), desde dezembro, encaminharam ao excelentíssimo sr. presidente eleito do Brasil documento-síntese das principais propostas no campo acadêmico e institucional em favor da educação pública de qualidade, fruto das reflexões havidas nos últimos anos, que sinalizam substancial avanço nas discussões de questões estratégicas.
Manifestaram, desde então, a disposição de permanente diálogo e trabalho conjunto na formulação e implementação de políticas da educação, ciência e tecnologia.
O diálogo é o exercício democrático do embate das idéias. É a oportunidade de discordar e de concordar com serenidade. O diálogo pressupõe respeito mútuo e se constrói pela verdade no enfrentamento dos erros e no reconhecimento dos méritos. O diálogo possibilita administrar conflitos de maneira positiva e viabiliza o estabelecimento de relações de confiança. Esse diálogo com os poderes constituídos e as demais entidades que visem à educação de qualidade é compromisso fundamental da universidade pública brasileira.
A qualidade se avalia pelos resultados na sociedade e reflete a eficácia social da instituição universitária. Por isso as Ifes praticam, de forma inarredável, o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. As demandas sociais que lhes são postas estão sempre a exigir a superação do conhecimento existente e a transferência do conhecimento novo para o desenvolvimento de uma sociedade contemporânea. Somente este novo conhecimento libertará o homem brasileiro da lógica perversa do processo de colonização que leva ao esgotamento dos recursos naturais, à fome e à miséria.
As Ifes aceitam compartilhar as responsabilidades na construção de novos caminhos capazes de responder à crise da sociedade brasileira. Para isso estão dispostas a promover as mudanças necessárias, a enfrentar as deficiências da própria organização, a melhorar suas atividades acadêmicas e a aprofundar, enquanto instituições públicas, suas relações com a sociedade e o Estado.
Nesse contexto, iniciaram, através de sua Associação Nacional, Andifes, um vigoroso processo de avaliação e agendaram estudos e trabalhos sobre temas fundamentais como autonomia, hospitais universitários, políticas e gestão universitária, carreira e salários, matrizes de financiamento, Lei de Diretrizes e Bases, reforma constitucional e outros, para definir os novos rumos desejados. As Ifes não só aceitam, mas tomaram a iniciativa de propor um processo sério de avaliação institucional para enfrentamento de suas deficiências e reforço de seus pontos fortes. Buscam sistematicamente a melhoria da qualidade da gestão universitária.
Para melhorar sua qualidade, cada instituição precisa, no entanto, ser analisada em sua identidade a partir de sua história, de sua visão de futuro, das potencialidades e dos problemas da região em que está inserida e não subordinar-se a padrões e parâmetros eleitos como universais.
Por outro lado, a gestão da qualidade assenta-se na motivação do quadro de recursos humanos. Como manter essa motivação, quando as pessoas são permanentemente ameaçadas em seus direitos e conquistas sociais e quando não se lhes oferecem condições dignas de trabalho, sequer numa perspectiva de curto prazo?
Neste ano, por exemplo, as projeções orçamentárias apontam para o esgotamento dos recursos de custeio das Ifes na metade do ano e não se conhece qualquer indicativo de destinação de verbas para investimento nas atividades acadêmicas.
No momento em que se questiona a eficiência da universidade brasileira e em que se buscam por todas as formas e artifícios as reduções de custos, em nome do controle do desperdício, certamente o maior desperdício na educação brasileira é dispor, nas instituições federais de ensino superior de aproximadamente 40 mil professores pós-graduados sem condições de aproveitamento de suas reais potencialidades em benefício da sociedade brasileira.
Faltam-lhes acervo bibliográfico atualizado, instrumentos, espaços, insumos laboratoriais, meios de locomoção, infra-estrutura e apoio computacional suficientes para o exercício de suas habilitações. E o maior paradoxo é querer economizar e racionalizar os gastos de custeio que historicamente têm-se situado em torno de apenas 4% do orçamento das universidades federais.
Para alcançar a qualidade da educação pública superior é preciso, pois, investir urgente e substancialmente em acervo bibliográfico, na ampliação dos espaços das bibliotecas para a comunidade, em áreas de laboratórios, centros de cultura, pesquisa e extensão, em sua manutenção e num programa vigoroso de melhoria da infra-estrutura. Para alcançar a eficácia social das universidades, há que se investir primeiramente nos meios que assegurem adequadas condições de eficiência no trabalho.
Ao repensar o projeto da universidade pública compromissada com o social, o caminho não é desacreditá-la com números inexplicáveis do custo de seus alunos, nem cortar suas dotações orçamentárias, mormente descumprindo a obrigação constitucional de destinar 18% da receita de impostos da União para a educação, sob a argumentação erroneamente fundamentada de que o ensino superior federal consome hoje 70% a 80% de todas as verbas do Ministério da Educação.
É preciso ter a percepção de que as universidades públicas federais absorvem apenas em torno de 15% de todo o orçamento público para a educação brasileira. Em contrapartida, assumem o papel fundamental de enfrentamento do quadro dramático em que vive o país, inclusive podendo contribuir significativamente para a melhoria do ensino fundamental e médio.
É no referencial do compromisso social, da gestão democrática, do diálogo franco com o governo e a sociedade, da disposição de compartilhar responsabilidades e a correspondente autoridade, que as instituições federais de ensino superior buscam a melhoria da qualidade da educação brasileira.

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