São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 1995
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A Lei de Parkinson

OTAVIO FRIAS FILHO

Quando dizemos que na nossa época as ideologias desapareceram, esquecemos que as técnicas de eficiência empresarial estão ocupando o lugar vazio. Como Estado, Sindicato, Partido e Igreja estão desacreditados, a Empresa passa a ser a medida das coisas humanas.
Todos queremos sucesso, desempenho, velocidade; tudo passa a ser uma questão de ganha ou perde. O próprio corpo das pessoas é submetido a uma "reengenharia" de dietas e exercícios para ganhar competitividade no mercado afetivo.
A pessoa vira empresa e a empresa se "pessoaliza" em células autônomas, em negócios estanques que se derem prejuízo morrem, sem sugar o conjunto. É o sonho de Thatcher: distribuir apólices e úlceras, fazer de cada um o seu próprio empresário.
Corte de níveis hierárquicos, repressão das atividades-meio, técnicas de motivação, busca da qualidade total, ênfase em marketing e serviços, parcerias, terceirização —há uma base comum em toda essa retórica. Trata-se de injetar o mercado dentro da própria empresa.
Assim como os demais muros, também os da empresa devem cair. Tudo o que é sólido se liquidifica pois todos têm de competir livremente contra todos. Cada um é posto em confronto mortal com seu semelhante, no andar debaixo ou em Cingapura.
Claro que as coisas são assim desde que o mundo é mundo. A diferença é que o confronto deixou de ser subterrâneo, eclesiástico, de depender de intrigas laboriosas ou de longas esperas pela aposentadoria do chefe. É objetivo, fulminante.
Em 1957, o inglês Parkinson formulou suas famosas leis. Numa prosa que mistura metafísica da administração com humorismo para homens de negócios (uma de suas proposições era: "Quem é capaz de gastar mais, a mulher ou o Estado?"), ele fez diagnósticos que valem até hoje.
Todo chefe tende a aumentar o número de subordinados sem que esse aumento tenha relação com o trabalho a ser feito. O tempo de uma reunião é inversamente proporcional ao montante de recursos envolvido na decisão a ser tomada.
As leis de Murphy descendem de Parkinson. Nos anos 70, Peter anunciou o princípio que leva seu nome: todo mundo atinge o ápice de competência no grau imediatamente abaixo ao da última promoção em sua carreira, de modo que as organizações estão fadadas a decair.
Hitler, por exemplo, bem-sucedido até chegar ao cargo de ditador sanguinário, teria alcançado seu estágio de incompetência no patamar seguinte, quando promovido a conquistador do planeta.
Toda essa literatura era satírica. Mas a reengenharia, como braço armado, por assim dizer, da mentalidade politicamente correta, é séria. No fundo, ela atualiza o desafio que a religião protestante vem propondo ao mundo.
Queremos abrir mão de uma felicidade "menor" em troca de uma "maior"? Do imediato em troca do mediato? Do cafezinho, da cordialidade, do direito a fracassar, da nossa própria paz interior em nome da eficiência geral do mundo?

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