São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Juan Atkins promove união de tecno e funk

O pai do tecno diz que o gênero tem raízes negras

CAMILO ROCHA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Mencione o nome Juan Atkins a qualquer DJ, músico, produtor ou fã de tecno que esteja minimamente inteirado nos seus beats e a reação será de profundo respeito e admiração. Atkins é o pai do tecno, o cybermúsico original.
Sabe a primeira onda de tecno que aconteceu em detroit por volta de 87/88? Atkins estava lá na liderança. Conhece a primeira faixa no formato e estilo que veio a ser conhecido como tecno ("No UFOs" do Model 500), lançada em 85? Atkins era o autor.
O preço a pagar pela sua inacreditável inovação é que Atkins quase não é conhecido fora dos círculos especialistas nem nunca chegou perto de ter um hit. Praticamente o inventor de um gênero que tomou conta do mundo, seus discos/produções são difíceis de achar (alguns remixes nem tanto). Saem pelo seu selo Metroplex, sediado em Detroit (EUA), sendo que alguns foram lançados pelo consagrado selo belga R&S.
Em Londres, algumas horas antes de devastar a pista do Final Frontier (templo tecno; sextas no Club UK), Atkins conversou com a Folha.

Folha - Como você começou a fazer música eletrônica?
Juan Atkins - Comecei com minha banda Cybotron, no início dos anos 80. Lá por 79, comprei um sintetizador. Foi quando saíram os primeiros modelos baratos. Ouvia muitos discos do Parliament e Funkadelic, discos como "Flashlight" e "One Nation Under A Groove". Esses discos tinham sons incríveis de sintetizador e me inspiraram a brincar.
Folha - Você ouvia as bandas eletrônicas européias que estavam saindo na época?
Atkins - Ouvia muito Kraftwerk por volta de 79, 80. Coisas como "The Robots". Derrick May tem uma frase clássica, "Tecno é George Clinton e Kraftwerk presos num elevador com um sequenciador" (máquina que junta sons diversos).
Folha - Quando você começou a fazer a música que pode ser considerada as bases do que veio a ser o tecno?
Atkins - Acho que isso foi no período do eletro (rap/funk com sintetizadores e sequenciadores, discos de break), especialmente com um disco do Cybotron chamado "Kleer". Mas ninguém se tocou na época porque a música ficou perdida no meio de todos aqueles discos de break que saíam na época de Nova York. Isto não se desenvolveu direito porque os jovens que estavam fazendo electro/break não tinham domínio total da tecnologia. Criar sons a partir de instrumentos eletrônicos não era a viagem deles. Foi aí que o rap entrou na sua fase hip hop e o electro/break desapareceu. Essa versão primitiva de tecno morreu aí. Quando o som de Detroit apareceu, foi uma continuação desse princípio de música eletrônica.
Folha - Muita gente vê o tecno como uma música européia e branca, ignorando o fato de que suas origens são americanas, negras e funky. Afinal, na cena tecno há muito mais brancos do que negros. Qual sua explicação para isso?
Atkins - No fundo é a mesma atitude que matou a "disco", abrir um vão entre brancos e negros. Você tinha no passado os radicais que só ouviam rhythm'n'blues e os radicais que só ouviam rock'n'roll e não queriam se encontrar num território comum e infelizmente essa atitude tem prevalecido. Parece que o mesmo vem acontecendo com o tecno, com uma pequena diferença. A garotada branca em cada parte do mundo vem adaptando o tecno à sua moda e a negra simplesmente ignora a coisa toda. Detroit é muito diferente de qualquer cidade americana, ouvíamos coisas em Detroit que não se ouvia em nenhuma outra grande cidade dos EUA. Mas não saberia dizer exatamente o que há em Detroit que fez surgir um tipo de som negro tão diferente de qualquer coisa que se faz no resto do país.
Folha - Seria porque Detroit é uma cidade decadente?
Atkins - Com certeza o ambiente que nos cerca lá é uma influência. Pode ser porque Detroit foi a cidade dos EUA, onde pela primeira vez brancos e negros tinham que trabalhar juntos, na indústria automobilística. Isso ajudou a derrubar muitos estereótipos e barreiras raciais. E acho que essa influência continua até hoje. Esta mentalidade explicaria a Motown também, que soube vender pop negro para brancos como ninguém.
Folha - Como você sentiu ao perceber que a Europa estava influenciada pela sua música enquanto você permanecia anônimo nos EUA?
Atkins - Isso me deu uma visão melhor do meu país. Nos EUA, quando a informação chega até você, já foi processada e pasteurizada. Te fazem crer que os EUA são o melhor lugar do mundo, o país da liberdade, da democracia. E quando se vê o que acontece nos bastidores, percebe a diferença.

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