São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995![]() |
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Equívocos do passado assombram FHC
MARCELO COELHO
Nunca acreditei muito nesse raciocínio, mas os problemas enfrentados pelo governo Fernando Henrique parecem comprovar o desacerto da tese. É como se o famoso "cacife eleitoral" de FHC não lhe tivesse dado vantagem nenhuma no encaminhamento das reformas constitucionais e do seu programa de governo. Eleito com mais de 30 milhões de votos, Fernando Henrique conhece as mesmas dificuldades que teria se tivesse alcançado o poder pela via indireta. Por que isso acontece? É corrente a explicação de que faltaria ao governo um coordenador político; de que as negociações com o Congresso em torno das reformas não foram conduzidas com profissionalismo; de que haveria certa inabilidade na comunicação das iniciativas do Executivo e, por fim, de que o próprio FHC não tem uma personalidade vigorosa o bastante para conduzir os projetos. Todos esses fatores são sem dúvida importantes. Desconfio, contudo, que há razões mais profundas para o estado de aturdimento vivido pelo governo. Em tese, faz grande diferença se o presidente é eleito por 30 milhões de votos ou pelo colégio eleitoral. Mas as circunstâncias concretas da vitória de Fernando Henrique tendem a diminuir um pouco as diferenças entre o seu caso e o de Sarney. Um colega de Brasília resume a situação: FHC foi, não apenas eleito, mas ungido presidente. Graças ao Plano Real, o cargo lhe chegou de bandeja, como se diz. Já durante a campanha, o problema que se colocava era menos o de como ganhar as eleições e sim o de como assegurar uma base parlamentar para o governo. Temos dois fatores que, no fundo, conferem à eleição de FHC um sabor mais "indireto" do que fariam esperar os milhões de votos obtidos nas urnas. Não pretendo de modo nenhum contestar a legitimidade da eleição presidencial. Apenas observo que as condições que garantiram a vitória a FHC não lhe facilitam o exercício do poder. Sua eleição significou o apoio popular ao Plano Real e a rejeição ao PT. Nenhum desses motivos subsiste quando se trata de encaminhar propostas administrativas ou reformas constitucionais. Os milhões de votos não asseguram ao Executivo respaldo para aprovar, por exemplo, o fim da aposentadoria por tempo de serviço. Talvez as inseguranças e hesitações do governo no que diz respeito às reformas tenham explicação a partir daí. É como se existisse uma "ilegitimidade" oculta, a travar os atos governamentais. A vitória de FHC não se conquistou em torno de programas discutidos e aprovados pela população. A alegre consagração do Plano Real impôs ao governo uma contrapartida de insegurança na hora de tomar decisões impopulares. Cria-se uma espécie de timidez, timidez sarneyziana e "indireta", nas relações do governo com a sociedade. Nas relações com o Congresso, as coisas se complicam ainda mais. De um lado, há o fantasma de Collor: um presidente que, julgando-se capaz de passar por cima das lideranças partidárias estabelecidas, terminou amargando o impeachment. De outro lado, as pressões em favor de um diálogo de "alto nível", sem fisiologismo, em torno das reformas. Curiosamente, o governo parece ter hesitado em aderir ao "é dando que se recebe". É como se tivesse de fato acreditado que uma aliança com o PFL e congêneres pudesse ocorrer em termos exclusivamente programáticos e ideológicos. Mas o acordo eleitoral, os abraços de palanque, os ministérios, nada disso parece garantir o apoio parlamentar. O governo se vê estranhamente isolado da opinião pública e acuado no Congresso. Há, além disso, outro fator de "ilegitimidade" —continuo a pôr o termo entre aspas— a impedir uma ação mais determinada do governo. É que, embora o Executivo tenha todo o cacife eleitoral que queira, suas iniciativas se defrontem com um problema herdado das administrações anteriores. Veja-se o caso da reforma na Previdência. Os estudos técnicos mais detalhados do mundo podem "provar" que o sistema atual está falido. As propostas de modificá-lo nem por isso conseguem obter apoio efetivo do Congresso ou da opinião pública. Isto porque, para além dos votos e da legitimidade política de FHC, subsiste a convicção de que o Executivo, não importa quem esteja a ocupá-lo, sempre faz coisas erradas. Foram tantos planos frustrados, tantas iniciativas desastrosas na história recente do país, que é o próprio Estado, e não este ou aquele governo, que se vê cercado de ceticismo e desconfiança por todos os lados. Dá para acreditar que, aprovando-se tudo o que o governo quer, os aposentados terão um futuro sem sobressaltos? Mesmo que tivesse a maior credibilidade pessoal do mundo, a mais sólida base parlamentar, a mais enfática votação do planeta, o governo estaria às voltas com um passado de promessas não cumpridas, de reformas equivocadas, de expectativas frustradas. A falta de sustentação para as reformas tende a ser crônica no Brasil. No relativo isolamento e nos visíveis embaraços do atual governo não há, portanto, muita coisa de surpreendente ou desesperador. Só se decepciona quem se iludiu demais. O que esperar de FHC? Provavelmente, resultados bastante modestos. Pena que a modéstia não seja o seu forte. Texto Anterior: Noite de SP perde promoter Próximo Texto: Banda leva rockabilly e blues ao AeroAnta Índice |
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