São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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Portugueses sucumbem às doces musas

NINA HORTA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Recebo um exemplar do livro "Culinária Portuguesa". Dele, o editor português Assírio e Alvim diz: "Uma nova coleção traz uma alegria especial à editora, que esta deseja partilhável. E se se trata de uma 'Coleção de Gastronomia'? E se essa coleção ainda por cima é dirigida por José Quitério? Título da coleção: 'Coração, Cabeça e Estômago', de sabor camiliano, em que a cultura e a nossa boa comida surgem de braço dado num país que corre o risco de, por excesso de gato, se esquecer do sabor da lebre. Pedra basilar desta coleção: 'Culinária Portuguesa' de Olleboma ou Antonio Maria de Oliveira Bello. Industrial, mineralogista, político e gastrônomo. Nasceu em 1872 e morreu em 1935".
O autor do prólogo, por sua vez, sucumbe às doces musas. "Comer, para o gastrônomo, é coisa tão sagrada como o sacrifício da missa para o cristão. Não há nada mais bulidor com a essência divina da besta humana, inteligente e sensível. Que volúpia, que sucos do paraíso, que sumptuosas evocações pode dar o tacto, podem dar todos os comunicativos caminhos do mundo exterior com a sua alma, com a parte nobre e superior do homem que dentro de si algo tenha que o seja!" Cruzes!
E o autor, o Antonio Maria, ou Olleboma, que fez a primeira recolha sistemática do receituário tradicional e provincial de Portugal? Como se dirige ele, aos leitores, em 1936?
"Receita de Fava Rica: 1 litro de favas secas; 1 decilitro de azeite fino; 4 g de sal; 1 g de pimenta; 4 dentes de alho.
Põem-se as favas de molho em água simples, fria, por 12 horas, tiram-se as pequenas moscas, chamadas carneiros que algumas favas tenham e que estão nelas, num pequeno buraco redondo. Cozem-se em água com sal até que se esmaguem facilmente com um garfo. Estando cozidas, escorrem-se, deitam-se numa travessa com a pimenta, o azeite e os alhos que se fervem em duas colheres de azeite por cinco minutos. É um prato barato e muito alimentar."
Curto e grosso. Assim. Sem frescura. Pá e pá e pá! Não tem papas na língua o Olleboma.
Vai direto à receita, destrincha-a com explicações concisas e objetivas e nos dá um bom livro de receitas de fácil execução, boa fonte de nossas raízes culinárias. Sopas, bacalhaus, sardinhas, cabritos, azeites, alhos e cebolas, grelos e uma séria doçaria.
Quis ser muito objetivo, o Ollebama, mas alguns títulos de receitas, por serem clássicos, escaparam ao seu veio de comerciante arguto, eficiente e pragmático.
Não teve como evitá-los. E, para alegria nossa, sobraram a Sopa à Tia Gertrudes da Perna de Pau, um caldosinho de carne com macarronetes; os Ovos Estrelados com Queijo da Serra da Estrela (Bom para os dias de Magro); o Bacalhau à Mil Diabos, uma pasta de bacalhau, batatas, ovos, azeite, cebola e leite; a Arufada da Figueira, um pão de fermento recheado com creme de camarões.
Os Bifes à Marrare eram as especialidades do Marrane, antigo restaurante lisboeta. Um belo bife macio, com molho grosso de fundo de frigideira, leite, manteiga, alho e pimenta do reino grosseiramente moída.
E mais Arroz de Pardais, Calhandras, Tordos, Verdilhões e Semelhantes, um arroz com pássaros refogados, bom para se servir aos ecologistas em visita; Peixinhos da Horta, que nadam, pois são vagens fritas em massa crocante para acompanhar carnes e peixes.
Pois, então, fez o nosso autor o possível para escapar dos nomes que fizessem rir ou sonhar, mas ao chegar na doçaria, não houve escapatória.
Pudim dos Lambareiros, pão de ló, ovos moles, pão de ló, compota de damasco, pão de ló, uuhm! Barrigas das Freiras, com o gosto bem parecido às Fatias de Parida.
E ainda temos coscorões, filhotes de abóbora menina, bolo de cambraia, broas da avozinha, croquetes de castanhas, os esquecidos, os fidalguinhos de Braga, as orelhas de abade... E convosco deixo a receita de escarumbas, afirmando que não sei onde comprar hóstias para doces, mas teria o maior prazer em sabê-lo.

Escarumbas
"Desfaz-se em leite, 200 g de cacau, ou 150 g de chocolate, até que a mistura esteja perfeita, depois, junta-se mexendo sempre, 125 g de açúcar escuro (mascavado), 150 g de farinha de trigo, oito ovos inteiros e uma pitada de sal. Vai ao lume até que a massa fique espessa. Logo que esteja pronta, deita-se os montinhos sobre hóstia, num tabuleiro bem polvilhado de farinha, indo ao forno a cozer em lume brando."

ONDE ENCONTRAR O LIVRO: A Casa Livros & CDs (av. Angélica, 2.495, tel. 011/257-3416)

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