São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A coragem de não ser solitário

JOSÉ SARNEY

Duas condutas de governo são responsáveis, em muitos casos, pelo destino dos que governam. Errar e persistir no erro, caminhando para aquilo que já se convencionou chamar a marcha da insensatez. A outra margem do rio é ter a coragem de voltar atrás. Esta é a decisão mais difícil para quem governa.
Há uma cultura, que vem de tempos remotos do poder absoluto, que se transformou em máxima: "Palavra de rei não volta atrás". E muitos reis tiveram os tronos perdidos e a cabeça cortada pela adesão a esse conceito. Que o diga, na eternidade, Luís 16.
Eu falo pela própria carne. Como eu lamento não ter voltado atrás quando via reação e o que era o Cruzado 2...
A decisão do presidente é sempre solitária e os seus conselheiros são de várias ordens e intenções. O universo do presidente passa a ser ampliado, mas nem por isso abrange a totalidade do problema.
Hoje, a legitimidade de todos os que recebem o voto do povo não tem a estabilidade do dia da eleição. Nasceu uma outra legitimidade, concorrente, que é a legitimidade da opinião pública, refletida pela mídia, que trabalha em tempo real, e das organizações da sociedade, que agregaram um ponderável poder político. Decidir, assim, com essas coordenadas não pode mais ser uma decisão solitária. Sei que ninguém mais do que o presidente deseja decidir certo, promover o bem comum.
Digo essas coisas para louvar a decisão do presidente, que em duas oportunidades teve a coragem de reexaminar táticas e decisões. Refiro-me à correção do câmbio e à desaceleração da emenda da Previdência.
Previdência, em qualquer parte do mundo, é problema difícil que não se resolve por decreto nem pelo humor de decisão do príncipe.
A Itália levou dez anos para ajustá-la. Os Estados Unidos estão até hoje mergulhados numa luta interna para alcançar resultados. O presidente Clinton amarga ter tentado levar esse problema no peito, para cuja solução colocou até a figura de sua mulher, que saiu tostada do episódio.
O Chile, com o braço de ferro de Pinochet, levou cinco anos e, assim mesmo, só conseguiu alcançar um universo de 50% dos previdenciários.
A Constituição de 88 cometeu um grande erro e agravou o problema. Ampliou direitos sociais e, por outro lado, ao fechar a economia, ampliando o Estado, barrou condições para pagar esses direitos e alargá-los.
Agora, o essencial é abrir a economia, votar as medidas que permitam transmitir ao setor internacional, numa economia globalizada, confiança no país, consolidar o real, preservá-lo de problemas agudos e tomar as primeiras medidas para ordenar a atividade política, anárquica e tumultuada. Isso dará estabilidade interna que se refletirá na imagem do Brasil.
A nação saberá que tem um comandante capaz de ser firme para reavaliar suas decisões.
Como dizia José Américo: "Ninguém se perde no caminho da volta". É sempre possível saber a estrada errada.

Texto Anterior: O fim que não acaba
Próximo Texto: RECUO NA PREVIDÊNCIA; TANTA LIBERDADE; A CHINA QUE NÃO É DE MAO
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.