São Paulo, sexta-feira, 31 de março de 1995
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O fim que não acaba

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO — FHC anunciou o fim da Era Vargas. Em 1945, decretaram o fim de Vargas quando ele partiu para o exílio em São Borja. Nove anos depois, entre 4h e 8h30 da manhã de 24 de agosto de 1954, novamente festejaram o seu fim. Um radialista que entrara no Catete chegou a ver Getúlio de bombachas, arrumando as malas para novo exílio.
Mas o que o Brasil viu foi o mesmo Vargas, num pijama listrado, com uma única diferença dos outros pijamas: um furo de bala à altura do peito. Dez anos mais tarde, em 1964, foi novamente proclamado o fim de sua era. Durante os 21 anos seguintes era proibido mencionar seu nome.
Cid impenitente, mesmo depois de morto continuou aborrecendo as elites que sonham em ter o Brasil no Primeiro Mundo à custa de um povo que vive e sofre o último dos mundos.
Não vem ao caso o nome ou a pessoa de Vargas. Importa é que ele encarnou, como nenhum outro vulto de nossa história, a preocupação social que será o referencial definitivo para o século que acaba.
Certo que algumas experiências, e muitos dos métodos adotados, naufragaram na demagogia e na violência. Mas a quimera que produziu os códigos morais da humanidade, nela se incluindo o cristianismo, a Reforma e o socialismo, o sonho impossível de todos os homens da Mancha que lutaram contra moinhos de vento, a utopia pela qual tantos morreram em todas as partes do mundo e em todos os tempos da história, essa quimera, esse sonho, essa utopia não acabarão.
Como não acabaram quando Vargas foi deposto duas vezes, nem quando a bala atravessou o seu peito.
Vargas foi temerário ao escolher uma estrada solitária. Nem à esquerda nem à direita. Tentou o mais difícil: a revolução pelo centro. O erro lhe custou caro.
Independente de Vargas, que errou e morreu, a idéia continua. A idéia e a luta, embora sob disfarces às vezes repugnantes, como o corporativismo, e, em alguns casos, o nacionalismo. A arena aguarda novos gladiadores. Mais cedo ou mais tarde eles brotarão da terra e do sonho: o duelo não terminou.

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