São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Pega, leve

RICARDO SEMLER

Foi em Cumbica que encontrei o simbolismo da participação nos resultados. Lá estávamos, sentados num bar, esperando o anúncio do vôo.
O garçom nos trouxe o cardápio, viu que tínhamos um voucher e explicou que o mesmo dava direito a um drinque. Tá bem. Escolhemos dois sucos e um prato de frios. Demos o voucher pelo suco.
Ele, olhando para os lados, recomendou: não gaste o voucher com o suco, que custa dois reais, vou aceitá-lo pelo prato de frios, que custa dez reais. Ah, encontramos a essência da participação nos lucros.
Não é diferente numa metalúrgica ou numa padaria. As pessoas precisam resolver se estão trabalhando por alguma coisa que lhes dê uma parte do benefício, ou se é o cada-um-por-si.
O Brasil resolveu ser o primeiro país do mundo a obrigar as empresas a distribuir resultados. Dar, aliás, é a palavra que mais salpica.
Quando o empresário acha que está fazendo uma concessão, que está entregando parte do seu lucro para os empregados, a porca torce o rabo.
A participação nos lucros só serve para quem acredita que o lucro, que antes era de cem, vai passar para 130 depois do envolvimento interessado dos empregados, com 20 voltando para os próprios.
E não há nenhuma garantia disso, como também não há estatística que prove que a participação gera resultados garantidos.
Aliás, não há qualquer prova de que a democracia na empresa -que, diga-se, nunca vi implantada em qualquer organização- gere resultados financeiros melhores do que a autocracia.
As economias são exemplo disto. Um Pinochet consegue botar as finanças nos trilhos mais rápido do que qualquer democrata.
Mandar soldados visitar sindicalistas durante a madrugada para discutir pautas de reivindicações aumenta as chances de um acordo interessante para o governo. Mesmo que se arranque uma unhinha para reforçar um ponto de vista negocial.
O Brasil-potência de muitos dos nossos mais destacados economistas e ex-ministros aconteceu assim.
Sempre fui contra a ingerência do governo na relação do capital com o trabalho. Assim, sou contra a existência de medida provisória para o assunto, que em si já é uma excrescência.
Imagine usar medida de emergência para regulamentar algo que entrou na Constituição em 1946! Mas já que é para fazer, até que está boa, porque é abrangente, flexível e bem intencionada.
Há uma guerra surda de bastidores para eliminar a influência dos sindicatos, eliminando-os do processo. A Constituição não permite essa retirada.
Os sindicatos são os legítimos representantes do trabalho. Claro que não teriam quadros para acompanhar nem mesmo 1% das milhões de negociações que teriam que acontecer, nem economistas suficientes para avaliar resultados.
No paraíso do caixa dois no qual vivemos, aliás, é exercício quase inútil. São, porém, essenciais ao processo.
Então, é uma lei que pega ou que não pega? Em geral, diria que não pega. Servirá, isto sim, para trazer à tona bons debates sobre a participação de empregados, seus benefícios e dificuldades.
As empresas que quiserem dar uma rasteira na lei não terão qualquer dificuldade. A maioria, inclusive, vai esperar para ver, e, quando aparecerem soluções simplórias, aplicarão de maneira global.
Outros prometerão uma porcentagem qualquer, sabendo que boa parte dos seus lucros nem passarão pelo balanço. Mas sobrará uma discussão, efêmera que seja, sobre os rumos desta relação tão complicada, e isto, em si só, tem valor. Mesmo pegando de leve, então, já tá bom.

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