São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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A operação mitocídio

ROBERTO CAMPOS

"Nenhum país do Primeiro Mundo tem monopólio estatal de petróleo. Todos os países que têm esse treco são do Terceiro Mundo. Logo, o monopólio de petróleo é bestança de subdesenvolvido."
(Lógica do Pedrinho, meu neto de 13 anos)

Os liberais têm duas tarefas urgentes. A primeira é alicerçar na cultura econômica nacional alguns imperativos da razão pura:
A estabilidade monetária é um bem incondicional.
Os monopólios estatais são um mal incondicional.
O verdadeiro soberano é o consumidor.
Sem estabilidade monetária não se pode falar em justiça social, porque os pobres são os mais prejudicados pela inflação. Nem em retomada de desenvolvimento, pela impossibilidade de planejar investimentos. Os monopólios estatais destroem o mais dinâmico motor do desenvolvimento -a concorrência. E só a concorrência excita a descoberta de oportunidades. Quanto ao consumidor, ele é o benevolente tirano das economias capitalistas. No socialismo, o soberano é o planejador; no mercantilismo, é o produtor cartorial. O Brasil está mais para uma sociedade mercantilista do que capitalista.
A segunda tarefa é o assassinato dos mitos: o mitocídio. Criou-se toda uma mitologia em torno dos monopólios estatais -Telessauro, Petrossauro e Eletrossauro- como sendo rentáveis e estratégicos. Desses, os dois primeiros estão inscritos na Constituição, o que é uma originalidade idiota. Os monopólios são formas, aliás ineficientes, de organização econômica, que podem variar no curso do tempo e indignas da perenidade dos textos constitucionais.
Ao contrário do que diz a metodologia estatizante, esses três dinossauros são:
Antidemocráticos
Antiestratégicos
Antidesenvolvimentistas
Anti-sociais
São antidemocráticos porque cassam direitos: o direito do produtor de produzir e competir e o direito do consumidor de escolher. Os que condenam a cassação de direitos políticos também deveriam condenar a cassação de direitos econômicos. No caso da cassação política, o poder ficava entregue aos milicratas; na cassação econômica, o poder fica com os tecnoburocratas.
Os monopólios são também antiestratégicos. O valor estratégico depende da eficiência do sistema e não da posição acionária do governo. O controle estratégico é exercido através do poder eminente de legislar, tributar, regulamentar, requisitar e desapropriar. Para demonstrar que o monopólio de telecomunicações não é estratégico, basta lembrar que, em caso de emergência bélica, o país perderia a guerra, pois 98% das propriedades rurais, 80% das habitações urbanas e 46% dos estabelecimentos comerciais e industriais não têm telefones. A mobilização teria que ser feita por rádio e televisão, que são privadas. Em petróleo, continuamos importando 45% do consumo. Mas se tivéssemos crescido, na década perdida, às taxas históricas de 5% a 7% ao ano, o consumo seria de mais de 2 milhões de barris/dia e a Petrossauro estaria produzindo apenas 37% do consumo. E das 29 bacias sedimentares existentes, a Petrossauro trabalha em oito, bolina algumas e deixa a maioria virginais. Em eletricidade, só não estamos em racionamento porque o consumo aumentou lentamente ao longo da década perdida dos 80.
Os monopólios são antidesenvolvimentistas. Diminuem a absorção potencial de investimentos do país e, o que é pior, dão retorno negativo para o Tesouro. Mundialmente, as estatais em serviços básicos são vacas leiteiras que suplementam o orçamento. No Brasil, são sanguessugas. No último quadriênio para o qual há dados disponíveis, o retorno médio anual do capital do Tesouro (dividendos recebidos menos aportes do Tesouro) foi negativo em 7,06% no caso da Eletrossauro, e em 17,11% no caso da Telessauro, fracassos gerenciais dignos do "Guinness Book of Records". No caso da Petrossauro, o retorno do capital foi próximo de zero, ou, mais precisamente, 0,61%. Em conjunto, essas três sanguessugas sugaram, no período em causa, recursos líquidos do Tesouro da ordem de US$ 667 milhões, que representam sangue extraído dos contribuintes. Em vez de alavancarem a poupança nacional, contribuíram para a despoupança fiscal, em prejuízo do desenvolvimento.
Pela teoria do custo de oportunidade, nossos dinossauros são anti-sociais. Gerando prejuízos para o Tesouro, diminuem os recursos utilizáveis para cumprimento das funções básicas do Estado -saúde, educação, segurança e justiça. Ao defender os dinossauros, nossas esquerdas (se é que existem, pois depois do muro de Berlim só há canhotos) pensam estar amando os pobres. Estão apenas privilegiando a burguesia estatal.
Há uma terceira tarefa para os liberais. Demonstrar que a previdência pública obrigatória é também antidemocrática e representa uma discriminação contra os pobres. Através dos fundos privados de previdência complementar, os remediados e ricos podem livrar-se da ineficiência do Estado. Os pobres não têm opção. Todo cidadão deve ser obrigado a prover ao seu sustento, para não se tornar conscientemente um encargo público. Mas deve ser livre para, se quiser, entregar sua poupança a esse pai terrível, o Estado, através da previdência pública, ou optar por uma caderneta previdenciária do mercado competitivo, capaz de lhe dar melhor remuneração. Só assim evitaríamos que o pobre trabalhador rural, que se aposenta em média aos 62 anos, veja os recursos que entregou ao alçapão da Previdência serem usados para aposentadoria de homens atléticos ou balzaquianas aquém da menopausa.
Quanto aos dinossauros, o silogismo do Pedrinho é implacável. Dos 179 países-membros da ONU, apenas seis têm monopólios estatais de petróleo, quatro deles no Oriente Médio e dois na América Latina. Todos os seis são subdesenvolvidos e sofrem de fraqueza estratégica.
O mito do monopólio estratégico não chega a ser um pecado intelectual. É uma doença do subdesenvolvimento, uma espécie de carrapato ideológico, a ser corrigido não por silogismo. mas por um bom carrapaticida...

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