São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

La Vie en Rose

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Cidadão de modos europeus, republicano de gravata parisiense, com ares de sempre pronto a mordiscar um croissant e bebericar um balon rouge, Fernando Henrique Cardoso talvez tenha imaginado que poderia governar o Brasil à francesa.
Monsieur le président despertaria uma bela manhã no palácio, tomaria seu café au lait, sentaria ao bureau e começaria o governo convocando os partidos para um entendimento de alto nível.
Relataria os problemas que afligem a República, explicaria as boas intenções de seu programa e poria na mesa as propostas de reforma para apreciação das forças políticas.
Aguardaria, dentro de um prazo previamente acordado, as respostas e críticas, entabularia uma negociação elevada e, com o governo formado politicamente, obteria o necessário trânsito na Assembléia. O novo poder iniciaria, então, seu "processo" -um trottoir vitorioso pelo boulevard da prosperidade.
Bem. Três meses depois, o refinado sonho francês foi despedaçado pela brutalidade de nossos tristes trópicos. A idéia de que os métodos botocudos -com o perdão dos pobres índios que no século 16 habitavam a Bahia- poderiam ser simplesmente "superados" pela ascensão à Brasília de um grupo com idéias modernas e civilizadas demonstrou-se fantasiosa. Mesmo com o ardil de entabular previamente um pacto com as forças tradicionais do establishment.
O que o "processo" evidenciou até aqui -a despeito da radical mudança de rumos provocada por nuestros amigos mexicanos- foi que a política real do Brasil continua funcionando na base da bolsa de valores.
Não há partidos para negociar. O que há é um enorme mercado de interesses, no qual mesmo os mais bem intencionados acabam sendo dobrados pela lógica da oferta e da procura. É toma lá. E dá cá.
Sem capacidade de mobilizar a sociedade, chamuscado pelo fogaréu que veio do México com os tais "problemas de comunicação", o governo vê-se diante da perspectiva de jogar o jogo para conseguir passar no Congresso as reformas de que necessita.
Poderá tentar fazê-lo da maneira mais elegante possível -se é possível alguma elegância na selva política deste país tão doce e cruel.
Mas terá, infelizmente, que macular seus punhos rendados. De que outra forma os nobres representantes do povo decidirão abraçar as propostas governistas, eles que sempre apostaram na bolsa do fisiologismo e agora encontram-se no centro do mercado?
Três meses depois de assumir, monsieur le président vê-se sitiado por reivindicações. Todos querem cargos e verbas para atender suas clientelas. Nem todos são desonestos, pouquíssimos políticos com maiúscula.
Vista das janelas do Planalto la vie em Brasília definitivamente não é rose.

Texto Anterior: Velocidade em avenida caiu 15% em 2 anos
Próximo Texto: México e Cingapura movem guerra contra automóveis
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.