São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Negociador enfrenta presos sem gritar

DA REPORTAGEM LOCAL

Nome - Antônio Ferreira Pinto. Profissão - negociador.
O caos no sistema penitenciário paulista não tem deixado o secretário-adjunto de Assuntos Penitenciários fazer outra coisa além de negociar com presos rebelados.
Ferreira, como é chamado pelos amigos, esteve à frente das negociações nas principais rebeliões nos últimos dois anos. No início de março de 95, ajudou a abafar a rebelião em Franco da Rocha, na qual 66 pessoas foram mantidas como reféns.
O prestígio de Ferreira se mede por um fato incomum: ocupava no governo Fleury, de quem foi colega de turma na Polícia Militar, o mesmo cargo que ocupa hoje no governo Covas.
A última semana do secretário-adjunto foi passada na Penitenciária 1 de Tremembé (135 km a nordeste de São Paulo).
Exposto a um calor de 38º (na sombra), Ferreira não tirou o paletó nem alterou o tom da voz durante as 94 horas da mais longa rebelião do Estado.
Ao fim, conseguiu libertar todos os reféns sem precisar fazer grandes concessões aos amotinados.
Ao longo das negociações, Ferreira mostrou como faz para ser respeitado -ou temido, como preferem alguns- pelos presos. Em voz baixa ele diz aos líderes da rebelião que a tropa de choque da PM está pronta para invadir o presídio, mas que o desejo do governo é negociar. Em Tremembé, a tática voltou a funcionar.

Sem entrevistas
Em seus dias de cão em Tremembé, Ferreira é obrigado a mostrar a sua habilidade também diante dos agentes penitenciários, insatisfeitos com a direção do presídio e com as denúncias de maus-tratos feitas pelos presos.
Nervosos, na terceira manhã de rebelião, os agentes impedem a entrada do deputado estadual Elói Pietá (PT-SP) no presídio.
Aos gritos de "vai trabalhar, vagabundo", muitos palavrões e ameaças de agressão, os agentes mantêm o deputado sob o sol por mais de cinco horas. Chamado para negociar, Ferreira vem à entrada do presídio e tenta dialogar. Ele pede aos agentes que deixem Pietá entrar e ouve, em resposta, um coro: "Não entra!!! Não entra!!!"
Discreto, o secretário-adjunto dá as costas aos agentes e retorna ao interior do presídio para negociar com os presos -aparentemente, mais dispostos a conversar. Orientado por Ferreira, no dia seguinte Pietá retorna ao presídio de Tremembé por volta das 5h da manhã. Sem enfrentar resistências, finalmente consegue entrar e acompanha o fim das negociações.
Ferreira é hábil não apenas em evitar confrontos. Também odeia aparecer. Não atendeu aos pedidos de entrevista e se recusou a ser fotografado para esta reportagem.

Turma de Fleury
Formado na turma de 1968 da Academia de Polícia Militar do Barro Branco, a mesma do ex-governador Luiz Antônio Fleury, Ferreira chegou a capitão da PM.
O grande caso do promotor de Justiça ocorreu em 1987, quando Ferreira era o representante do Ministério Público na Corregedoria da Polícia Judiciária.
No dia 10.11.87, Ferreira determina a abertura de inquérito policial contra seis policiais, entre eles o delegado Josecyr Cuoco, então chefe do GAS (Grupo Anti-sequestro), acusados de extorsão.
Segundo a denúncia, Cuoco e seus amigos tentaram extorquir US$ 1 milhão para não incriminarem um fazendeiro e um advogado no inquérito do sequestro do empresário Antônio Beltran Martinez.
Em maio de 88, Cuoco é condenado a três anos de prisão.
"Ele é um bom exemplo para calar aqueles que acham que o promotor não devia se afastar de suas funções específicas", diz José Emanuel Burle Filho, procurador-geral de Justiça de São Paulo.

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