São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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A nova guerra fria da economia mundial

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

"O jogo econômico não impede guerras e conflitos, e frequentemente a economia tem de ceder lugar às realidades geopolíticas"
Roberto Campos

O fim da guerra fria parece ter deixado órfãos em todos os quadrantes ideológicos, o que não significa que o mundo esteja em vias de festejar uma paz kantiana. O terror da hecatombe nuclear parece afastado, mas as vítimas das guerras comerciais podem ser igualmente numerosas. O comércio mundial promete ser o palco, nos próximos anos, de conflitos menos empolgantes, mas decisivos.
Mas até as guerras seguem regras mínimas. Para entender os conflitos comerciais é necessário, portanto, conhecer as regras desse jogo silencioso e frequentemente devastador, como demonstrou a devastação liberal mexicana. O advogado Durval de Noronha Goyos Jr. ajuda a entender esse quadro com seu novo livro, "A OMC e os Tratados da Rodada Uruguai".
Noronha foi o negociador brasileiro na área de serviços. O livro, entretanto, inclui todas as áreas regulamentadas pela Rodada Uruguai, além de revelar aspectos políticos, econômicos e estratégicos cruciais. Ressalta, por exemplo, que na Organização Mundial do Comércio (OMC) os EUA não terão poder de veto, uma enorme novidade no mundo das instituições multilaterais contemporâneas. Noronha lembra que União Européia, Japão e Canadá teriam elencado mais de cem leis dos EUA restritivas ao comércio e contestadas no âmbito da OMC.
Noronha, porém, evita o tom catastrofista sem deixar de lado o realismo pragmático. Eminentemente didático, ele vai revelando a teia de regras e estruturas sob as quais o comércio mundial será regulamentado nos próximos anos.
Na agricultura, embora as mudanças não venham a ocorrer de imediato, quebrou-se com o que Noronha chama de "hipocrisia dos EUA", que desde os anos 50 protegem deslavadamente seus agricultores. Nos serviços, os países desenvolvidos procuraram abrir o mercado de terceiros, mantendo os seus fechados e alimentando os mais hediondos preconceitos. Alguns burocratas suíços, por exemplo, consideram que prestador de serviços num país em desenvolvimento é uma prostituta...
Noronha explica e exemplifica, às vezes em termos assustadores. Assim, no capítulo sobre anti-dumping, vemos que os EUA se reservam dão primazia à lei interna sobre os princípios do Gatt (caso da Super 301, instrumento legal que praticamente viabiliza a retaliação unilateral por parte do governo norte-americano). Resultado: o exemplo do Equador, culpado de dumping de rosas, tendo as exportações sujeitas a imposições da ordem de 50%, levando à perda de 10 mil empregos em áreas indígenas equatorianas.
Em suma, a liberalização do comércio mundial avança e poderá beneficiar o país. Mas a iminência de conflitos comerciais parece sugerir que os economistas, com suas ideologias, podem perder espaço para advogados e diplomatas, chamados a cooperar e capazes de operar nesse mundo ao mesmo tempo mais liberal e mais regulamentado. Em seu livro, Noronha ajuda a entender porquê e sublinha que a área do direito anti-dumping será uma das frentes de expansão das profissões legais nos próximos anos. As empresas que se cuidem.

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