São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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"Artista" deve ter se baseado em fotografias

Animais em movimento sempre foram um problema para pintores

DA "THE NATION"

O artista russo Alex Melamid está espantado com a urgência em se acreditar no achado das pinturas. Ele disse a minha colega Joann Wypijewski: "Eles estão perguntando 'por que todos estes enigmas?', quando o mais óbvio é que não há enigma algum.
Não sou nenhum especialista, mas quando se fala em milênios atrás, quem é realmente especialista? Mas assim que vi essas pinturas no 'Times', percebi imediatamente que eram pinturas feitas por alguém que já tinha contato com a fotografia.
Não compreendemos isso agora, porque todo nosso mundo é modelado pelo conhecimento da fotografia, e só conhecemos muitas das coisas que conhecemos porque já as vimos em fotos.
É o caso de animais correndo. Sempre foram um problema para os artistas, para os maiores artistas -Leonardo da Vinci se preocupava com isso- porque é muito difícil observar como as pernas do animal se movem quando ele está correndo.
Não é possível vê-lo. Hoje sabemos como elas se movem, porque já vimos o animal congelado na fotografia (isso foi conseguido pela primeira vez por Muybridge, no final do século 19), mas antes disso era quase impossível ver.
Hoje quando vemos um animal correndo, achamos que estamos vendo suas pernas se movendo, mas não estamos; o que vemos é a imagem que recordamos da fotografia.
Agora estão surpresos porque esses animais nas cavernas estão correndo, correndo em manadas, dando chifradas, mas não existe surpresa.
Estas não são pinturas antigas. Elas podem ser bastante antigas -possivelmente foram feitas cem anos atrás- e isso é bastante tempo. Mas milhares de anos atrás -não.
Alex acerta em cheio quando fala sobre o painel dos ursos. "É claro que isso é exatamente como deveria ser. Eu me lembro de ler sobre povos pré-históricos, quando eu era criança, na Rússia, e sempre havia alguma descrição deles, de suas práticas, que se enquadra exatamente nisto.
"Então agora todo mundo está entusiasmado, e por quê? Porque as pessoas gostam que as coisas satisfaçam suas expectativas".
Motivo para isso? Sem dúvida as pessoas em Ardèche se irritam, há muito tempo, com a reputação superior do complexo de Lascaux, na Dordogne, e os dólares turísticos correspondentes que se dirigem para lá.
Talvez tenha sido uma brincadeira. O altar poderia haver sido erguido por crianças locais, muito tempo depois de algum pintor de placas local haver pintado os animais.
E, como diz Alex Melamid, o trabalho pode haver sido feito cem anos atrás, quando a Europa fervilhava de antiquários (como então eram chamados, mais honestamente) ansiosos por mostrar a história à luz que desejavam.
Agora, é claro, as cavernas foram fechadas a todos menos as pessoas que têm um interesse direto nelas. Daqui a pouco "cópias" modernas serão pintadas em cavernas vizinhas para atender aos turistas, como aconteceu em Lascaux.
Daqui a mil ou dois mil anos essas cópias terão envelhecido, sem dúvida, passando a ser vistas como exemplares "genuínos" de arte rupestre do século 20 -que, para preservá-los contra o clima, terão por sua vez que ser copiados...
O mais importante a manter em mente é que a maioria dos especialistas não vale nada, e que a maioria das "evidências" pode ser contestada ou fraudada.
Nunca acreditei inteiramente na individualidade única de cada impressão digital. Assim que encontrarem alguma nova forma de identificação corporal "indiscutível", começaremos a ler artigos sobre um século de impressões digitais fraudadas.

Traduções de Clara Allain

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