São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Filósofo tem fama de ser "do contra"

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

José Arthur Giannotti chega aos 65 anos, completados em fevereiro, com a mesma fibra intelectual que o distingue desde os tempos de juventude. Muitas vezes brigão e carrancudo, pouco afeito a sorrisos e sempre intransigente na defesa de suas posições, ele deixou sua marca e modificou todos os ambientes por que passou.
Não é por acaso que, entre amigos e desafetos conquistados ao longo dos anos, Giannotti seja um dos poucos intelectuais sobre quem cada um de seus colegas tem uma opinião bem definida. Alguns o adoram, outros o detestam, mas ninguém permanece indiferente a seu respeito.
Essa fama (ou má fama, como preferem alguns) Giannotti construiu muitas vezes por tomadas de posição corajosas em um ambiente que até hoje é muito refratário à crítica. Foi assim, para dar um exemplo bem conhecido, quando, em meados dos anos 80, se insurgiu contra o corporativismo universitário e berrou nos jornais denunciando o "faz-de-conta" em que havia se degradado a vida acadêmica.
Isso porque, ao contrário de muitos de seus pares, Giannotti sempre teve entre suas preocupações centrais a transmissão do conhecimento de geração a geração. Seus ex-alunos são testemunhas do quanto ele levava a sério o que se passava dentro de uma sala de aula. Para dar outro exemplo, durante seu último curso no Departamento de Filosofia da USP, em 1983, quando se aposentou, Giannotti reprovou 80% dos alunos do primeiro ano. Aquilo que mais parecia um ato tirânico e tresloucado para ele era nada mais que obrigação profissional.
Mas a intransigência de Giannotti não pára por aí. Assim como foi ele o primeiro intelectual a assumir publicamente a defesa da candidatura presidencial de seu amigo Fernando Henrique Cardoso, também foi ele o primeiro a dizer que não aceitaria cargo algum no governo eleito. Isso no momento em que muitos intelectuais e carreiristas de plantão iniciavam uma verdadeira guerra silenciosa atrás de uma boquinha na máquina pública. Ninguém duvide que, se de fato quisesse, Giannotti teria lugar de honra dentro do governo. Preferiu permanecer na condição de intelectual e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). "Nunca pensei que meus colegas detestassem tanto a profissão que escolheram", comentou ao ver a debandada de velhos companheiros para Brasília.
É claro que o filósofo torce como poucos pelo sucesso de FHC. Mas não abre mão do direito à crítica. Para provar que não se trata de retórica, basta dizer que, durante a entrevista à Folha, concedida numa sala do Cebrap, Giannotti foi interrompido por um único telefonema. Era o ministro da Educação, Paulo Renato Souza. Estava ligando para reclamar do artigo publicado na Folha pelo filósofo, em que atacava a posição do governo a respeito do exame final para os cursos universitários. Giannotti ouviu e rebateu o ministro ponto por ponto. Desligou o telefone sorrindo e fez um único comentário: "Ele está furioso".
Mas um perfil do personagem Giannotti ficaria capenga e seria falso se omitisse a pessoa afável, surpreendentemente suave e dedicada aos amigos que surge de forma inesperada por trás daquela figura que, à primeira vista, parece mais um personagem siciliano.
Como ele mesmo gosta de dizer, numa alusão ao universo de Marcel Proust, nada substitui as pequenas experiências partilhadas na vida cotidiana. Talvez venha daí seu gosto todo particular em cozinhar para um grupo de amigos. Nessa matéria, ao contrário do se passa com sua filosofia, a opinião é unânime: trata-se de um mestre. Que alguém tão empenhado em pensar e preservar a boa distinção burguesa entre o público e o privado saiba relevar essas pequenas inconfidências.

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