São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
Próximo Texto | Índice

Apenas nota 6

O governo se orgulha, com razão, de ter mantido a inflação baixa, sem congelamento, pelo mais longo período dos últimos 25 anos. De fato, desde 1970, o país não conhecia nove meses de uma razoável estabilidade nos preços.
É essa, por enquanto, a grande realização do governo, mas pesquisa feita pelo Datafolha e publicada ontem por este jornal demonstra que a maioria dos brasileiros (51% exatamente) acredita que essa obra está ameaçada. Para esses 51%, a inflação vai aumentar.
Mais eloquente ainda é o fato de que cresceu significativamente o número dos que acreditam em aumento da inflação. Eram apenas 30% em meados de dezembro, antevéspera da posse de Fernando Henrique Cardoso como presidente. Passaram a ser 37% no final de janeiro, com pouco menos de um mês de governo. E são, agora, 51%.
Em outro item crucial para a população, a expectativa em relação ao desemprego, a pesquisa é também inquietante. Quase a metade da população (exatamente 47%) acredita que o desemprego vai aumentar, enquanto outros 28% acham que vai ficar como está. São portanto 75% os pessimistas contra apenas 20% que confiam na redução do desemprego.
Esses números demonstram que o governo não conseguiu recuperar-se da veloz perda de confiança já detectada na primeira pesquisa do Datafolha sobre a gestão FHC.
Dos 70% que, antes da posse, acreditavam em um governo ótimo/bom, passou-se a apenas 36% (caindo para quase a metade, portanto), em janeiro. A nova pesquisa, feita entre 21 e 23 de março, mantém a rigor os números da anterior. Se subiu (para 39%) a porcentagem dos que julgam o governo ótimo/bom, subiu igualmente o número dos que o consideram apenas regular (de 35% para 40%) e ruim/péssimo (de 15% para 16%).
É importante, de toda forma, assinalar que a estabilidade nos índices de aprovação do governo, em relação a janeiro, tem um lado positivo. Afinal, no intervalo entre as pesquisas, houve uma sequência de más notícias para o governo.
Primeiro, houve o erro técnico na implementação da nova banda cambial, a que se seguiram suspeitas de informação privilegiada do Banco Central a alguns operadores do mercado. Depois, houve uma sucessão de recuos nas propostas de reforma constitucional.
Na esteira do desgaste do governo, reemergiu uma oposição que parecia hibernar, comandando manifestações de protesto não só em Brasília, mas a cada vez que o presidente se apresenta em público.
Tudo somado, era lógico supor uma deterioração ainda maior na imagem do presidente.
O próprio Planalto parece admitir certo desgaste, ao afastar seu secretário de Comunicação, Roberto Muylaert. É uma evidência de que o esquema de comunicação do governo falhou, o que, de resto, é uma análise consensual entre governistas e oposicionistas.
Resta esperar que o Executivo não imagine que a questão da confiança se resume a uma comunicação mais ou menos eficiente. Nada substitui a ação e a falta dela talvez seja a maior razão para que o presidente fique, na pesquisa, apenas com uma nota seis.
Se fosse um aluno, ainda passaria de ano. Mas é o governante de um país que acreditava ter escolhido um presidente nota 10.

Próximo Texto: Reinventando a roda
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.