São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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Reinventando a roda

A invenção da roda é frequentemente descrita como um dos fatos fundamentais que permitiram ao homem construir sua civilização. Ela é também sinônimo de coisa evidente, ovo de Colombo.
A roda ao lado de outras importantes invenções como a alavanca e o guindaste inauguraram uma era tecnológica que hoje nos permite construir toda espécie de veículos, desde carroças até foguetes espaciais. Um dos mais popular deles é sem dúvida alguma o carro, que facilita a vida de milhões de pessoas em todo o planeta.
Há, porém, um grande inconveniente. Quando muitos carros procuram passar pelo mesmo local ao mesmo tempo, os veículos simplesmente deixam de cumprir a finalidade para a qual foram criados. Eles deixam de locomover-se.
É este o problema que a cidade de São Paulo, bem como outras metrópoles do país, vem enfrentando. E os congestionamentos só aumentaram desde a adoção do Plano Real, que manteve estáveis os preços dos combustíveis, aumentou a renda da população e aqueceu o mercado automobilístico.
O resultado foi o caos. Apenas na cidade de São Paulo, a frota cresceu 11%. São 300 mil carros a mais circulando pelas 9.000 ruas do município. Os congestionamentos, que até julho do ano passado eram de 67 km nos horários de pico, passaram a ser de 96 km. A cidade, se não parou, ficou bem mais lenta.
As mudanças na economia afetaram também os transportes coletivos. Ao longo do segundo semestre de 94, o metrô paulista ganhou 250 mil usuários. É o mais congestionado do mundo, transportando 1,5 milhão de passageiros por dia por quilômetro de linha. Tóquio, em segundo lugar, movimenta, 1,1 milhão. No caso da rede de ônibus, somaram-se 500 mil passageiros.
De onde veio toda essa gente? Do Plano Real. Estudo realizado pelo Metrô em 1987 indicava que os paulistanos realizavam cerca de 3 milhões de viagens a pé por dia. Não tinham como pagar a condução. Com o fim do imposto inflacionário, foi possível aos trabalhadores paulistanos ir de ônibus ou metrô para o serviço. Trata-se de um avanço -por mínimo que seja- que não deve ser revertido.
O problema, porém, é que a cidade continua com grandes congestionamentos. Taxistas se queixam de que seus passageiros os abandonam nos congestionamentos, preferindo seguir a pé. O mesmo se verifica nos ônibus.
O espaço físico da cidade é limitado. Seria impossível criar ruas, avenidas e viadutos em número suficiente para comportar toda a demanda. Além disso, o imperativo da estabilidade exige parcimônia nos gastos públicos.
A melhor forma de permitir que todos cheguem o mais rapidamente possível a seus empregos sem ter de caminhar quilômetros é diminuir o número de carros particulares e aumentar a quantidade e a qualidade dos veículos de transporte coletivo. Essa medida não acaba com os congestionamentos, mas tende a aliviá-los.
É o que ocorre em qualquer grande cidade como Nova York, Paris ou Tóquio. Mesmo os bem-remunerados executivos de Wall Street preferem tomar o metrô, que os leva relativamente rápido ao serviço. É tão simples como reinventar a roda. Falta só as autoridades se darem conta disso.

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