São Paulo, domingo, 2 de abril de 1995
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O que os países civilizados têm em comum

ADAM PRZEWORSKI

No filme "Bye, Bye Brasil", o mestre de cerimônias mambembe lastima que o Brasil não seja um país civilizado: nos países civilizados, neva. Acontece então um milagre: flocos brancos caem do teto, e a civilização chega ao Brasil. O mestre de cerimônias, porém, estava errado: o que os países civilizados têm em comum não é neve, mas impostos.
Para que um país se liberte da pobreza humilhante, sua economia se desenvolva e seus cidadãos desfrutem as condições básicas para viver segundo seu arbítrio, os governos têm de fazer uma porção de coisas. E fazê-las requer dinheiro. Em uma economia de mercado, os governos obtêm dinheiro principalmente por meio de impostos. É fato que quando os governos cobram impostos demais, desviam dinheiro de atividades privadas. Mas, quando arrecadam a menos, não têm como fazer tudo o que precisam.
Qual deve ser, então, a dimensão da carga tributária? Façamos as contas:
1) Os governos precisam fornecer bens e serviços de infra-estrutura básica ao setor privado e garantir incentivos aos projetos privados cuja rentabilidade social, por motivos variados, é maior que a taxa de retorno privado;
2) os governos precisam investir em capital humano: educação, saúde, habitação;
3) os governos precisam cuidar dos que não conseguem sobreviver por si mesmos; têm de proteger as pessoas uma das outras e protegê-las de outros países;
4) para fazer tudo isso, enfim, os governos precisam existir.
Precisam de servidores em número suficiente; os servidores precisam de qualificação educacional para saber o que fazer, e de motivação financeira para querer fazer o que precisam fazer. Isso significa que seus salários não podem ser muito inferiores aos salários pagos pelo setor privado e que precisam de perspectivas de carreira: algo a perder se seu desempenho for ruim.
Examinando as contas nacionais de países civilizados acrescidas dos custos de realização das tarefas acima, chegaremos a um gasto público total de cerca de 45% do Produto Interno Bruto (PIB). Já que os governos também geram alguma receita a partir de atividades próprias, precisam recolher um pouco menos que aquele montante em impostos para manter o equilíbrio orçamentário.
Uma carga tributária da ordem de 40% a 45% do PIB é pesada e é fácil imaginar que quem paga bastante imposto, mesmo a alíquota brasileira média atual, inferior a 25%, julgará alarmante a perspectiva de pagar mais. Mas a maneira de distribuir e arrecadar os impostos faz diferença.
Em muitos países, incluindo o Brasil, o problema dos sistemas tributários é que, enquanto as alíquotas máximas são muito elevadas, a legislação tributária tem tantas brechas e o sistema de arrecadação é tão ineficiente que só os que não têm como esconder seus rendimentos acabam pagando aquelas alíquotas altas.
O volume total de impostos pode crescer sem que haja aumento -e talvez até com redução- das alíquotas máximas se as brechas na legislação são eliminadas, o conceito de renda tributável é ampliado e a burocracia encarregada da arrecadação se desenvolve e ganha eficiência.
Seja como for, gostem ou não os contribuintes, 40% a 45% do PIB é quanto custa a um país ser civilizado. As comparações internacionais sobre incidência de pobreza de "Luxembourg Income Studies" nos mostram que essa incidência não é mera questão de renda média.
Não incluo entre os países civilizados os Estados Unidos da América, que têm renda per capita de US$ 22.204 e gastos públicos de aproximadamente 30% do PIB (incluído o pagamento de juros), porque eram pobres, em meados de 1990, 18% de toda a população dos EUA, 19,3% das famílias com crianças e 58,9% dos lares sustentados por mulheres sozinhas.
Já na Suécia, que tem renda per capita de US$ 16.729 e onde o governo gasta quase duas vezes mais (59% do PIB), 8,2% de todos os adultos e apenas 3,2% das famílias com crianças eram pobres.
A incidência de pobreza entre famílias com crianças chegava a 3,6% na Noruega, com gastos públicos de aproximadamente 52% do PIB; a 4% na Holanda (45% do PIB, em média), a 4,2% na Alemanha (45% em média), a 6,8% na França (47% em média) e a 9,4% no Reino Unido (38% em média).
Para promover desenvolvimento, criar condições para a auto-realização e segurança dos cidadãos e proteger os que não conseguem sobreviver por conta própria, os governos precisam arrecadar impostos e gastar.
Devem arrecadá-los de modo equitativo e eficiente, devem gastar com eficiência e justiça, e nem sempre o farão: algum desperdício é inevitável. Mas certo é que, para produzir a "civilização", precisam arrecadar impostos e gastar.

Tradução de Lucia Boldrini.

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