São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Que venha a livre negociação

PAULO PEREIRA DA SILVA

"Um governo que dá liberdade, distribui a renda nacional e decide como e quando vamos votar, esse governo está capacitado a impor a democracia."
Millôr Fernandes

Na semana passada, grande parte da imprensa entrou em rebuliço quando o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo decidiu trocar o gatilho salarial, conquistado em duas fábricas da cidade de São Paulo, pela livre negociação entre capital e trabalho e a inclusão dos sindicatos na medida provisória da participação nos resultados das empresas.
A proposta realmente é polêmica, reconheço, mas o Plano Real, por ser um plano inacabado, dissemina discussões e desafios sobre quais os caminhos mais longos ou mais curtos para se chegar à estabilidade econômica.
A trégua dada ao governo, na questão do gatilho salarial, é exatamente isto. Estamos lançando um desafio ao país. O desafio da livre negociação.
O mais fácil e mais cômodo para o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, neste momento, seria alastrar os acordos de gatilho salarial em greves por fábrica. Tenho certeza de que conseguiríamos mais de 200 acordos por semana. Mas será que o problema dos salários estaria resolvido?
Trata-se da velha história de correr atrás do rabo. O gatilho salarial é sem dúvida uma proteção para os salários, mas ele recompõe uma inflação que já aconteceu. E só! Onde está o ganho real dos trabalhadores?
O que nós estamos propondo é que o governo fique bem longe das nossas negociações. Até hoje, os técnicos do governo gastaram suas noites de sono em 19 políticas salariais, e todas elas foram ruins para os trabalhadores e para a economia do país.
Com a livre negociação, capital e trabalho serão obrigados a amadurecer as suas relações e a resolver seus conflitos sem a interferência do Estado. Deixem que trabalhadores e empresários façam a sua própria política salarial!
É bem provável que alguns levantarão a bandeira dos sindicatos pequenos, cujos trabalhadores ficarão sem a proteção de uma política salarial do governo. Ora, todo sindicato tem que ser representativo, e para isso é preciso trabalho com suas bases. O sindicato que depende de uma política salarial do governo, cada vez mais carcomida, deve organizar-se para ser forte.
Esse discurso fácil nem é digno de alas "ditas" progressistas do movimento sindical. Não pode haver discriminação entre os sindicatos fortes e fracos. Se existe sindicato, ele tem que ser representativo por excelência.
A livre negociação é o caminho não só para o contrato coletivo de trabalho, como também para a reorganização sindical que precisa ser implantada. A partir daí estaremos maduros também para discutir os resultados das empresas civilizadamente, com o respeito mútuo que nos induz todo esse processo.
No Brasil de hoje, que se prepara para a competição e a atração de investimentos estrangeiros, é inconcebível que o Estado ainda se oponha a acordos legítimos entre capital e trabalho.
Por esta razão resolvemos enfrentar as mais ferozes críticas, tanto por parte da sociedade ainda arraigada a uma cultura inflacionária, quanto daqueles que ainda imaginam ingenuamente, ou por convicção do discurso fácil, que os trabalhadores brasileiros necessitam da proteção do Estado.
Demos essa trégua ao governo até que o IPC-r seja extinto. É a chance de o país se transformar por meio de práticas mais produtivas. Caso contrário, estaremos condenados a mais um período em que falta coragem até para desindexar o diálogo entre cidadãos.

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