São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A modernidade de FHC

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Os desabafos do presidente da República estão se tornando cada vez mais frequentes e irritados.
Ele condena a situação: primeiro, ignorando que é o responsável pelos recuos que estão bagunçando a economia e a política; segundo, sem se dar conta de que, se o mandato presidencial é recente, sua ingerência na administração é antiga. Há mais de dois anos é o oráculo que decide sobre a chuva ou sobre o sol.
Reclama agora dos US$ 600 milhões que foram torrados na importação de carros. A cifra é a mesma que se tornou histórica ao tempo do governo Dutra.
Durante a guerra, exportando sem poder importar devido ao bloqueio dos mares, o Brasil economizou exatos US$ 600 milhões -na época, um dinheirão que hoje equivaleria aos famosos bilhões que inicialmente bancavam o Plano Real.
Liberando as exportações, a economia de guerra foi pulverizada em dois itens: Cadilacs e uísque -comprava-se uma garrafa de White Horse ou de Old Parr no botequim da esquina. O Brasil chegara, com anos de antecedência, ao Primeiro Mundo.
Dutra também se notabilizou por outra modernidade: fechou o Partido Comunista. Os bacharéis que o assessoravam (naquele tempo não havia a esforçada classe de tecnocratas, predominavam os bacharéis, eram a mesma coisa) garantiam que a questão social estava fora de moda. Era boçalidade perder tempo discutindo salário mínimo.
Foi nesse período que, pela primeira vez, tentou-se acabar com a era Vargas modificando a Consolidação das Leis do Trabalho, vale dizer, mexendo fundo nas conquistas da classe trabalhadora: férias remuneradas, aposentadoria por tempo de serviço, carteira assinada, estabilidade, assistência médica garantida pelos diversos institutos de seguridade etc.
Como se vê, a modernidade de FHC é mais antiga do que a primeira gravação do "Pelo Telephone", mais velha do que o naufrágio do Aquidabã. A única novidade, agora, é a irritação que a cada dia vem anulando a mais simpática pedra de sua coroa: a cordialidade.

Texto Anterior: Dinheiro sujo no Congresso
Próximo Texto: Orwell e o câmbio
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.