São Paulo, quarta-feira, 5 de abril de 1995
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Dinheiro sujo no Congresso

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA - O que é o que é: trabalha apenas oito anos, recebe ajuda do contribuinte, pode se aposentar com R$ 2.000 ao mês e não se envergonha?
Vejamos: R$ 2.000 significam aproximadamente quatro vezes o maior rendimento de um indivíduo que suou quase toda a sua vida. É 28 vezes mais do que ganha a imensa maioria dos comuns aposentados.
Resposta: o privilégio é assegurado aos deputados e senadores através do Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). O leitor desta coluna é testemunha de que tenho combatido a histeria contra o Legislativo, por considerá-la um equívoco e um perigo à democracia. Há limites.
O presidente do IPC, Heráclito Fortes, lidera agora uma ofensiva para evitar o fim da mamata bancada pelos cofres públicos -a cada real extraído do salário do parlamentar, o contribuinte (aquele que ganha R$ 70 depois de ralar a vida inteira) coloca dois reais.
Heráclito Fortes alega que não se deve mexer em "direitos adquiridos", e conclui: "Foi uma conquista da categoria". Comovente essa "conquista". Não vou entrar na discussão legal.
O ponto: é bandalheira moral um país pobre assegurar a indivíduos já privilegiados R$ 2.000 depois de oito anos de contribuição subsidiada. Depois de 30 anos, levam R$ 8.000 por mês.
Já é questionável um indivíduo se aposentar aos 30 anos de serviço, exercendo uma atividade sem periculosidade ou desgaste excessivo. Pior ainda quando ele passa a receber um rendimento inimaginável para quase todos os brasileiros.
A melhor coisa que o Congresso poderia fazer é dar o exemplo, abrindo mão do privilégio. Seria uma contribuição à democracia e à imagem do político, num gesto de dignidade.
Num país que não tem dinheiro para combater mortalidade infantil, melhorar a merenda escolar, onde o aposentado sobrevive com uma miséria, a professora ganha menos do que uma empregada doméstica, o IPC é dinheiro sujo.
Não é direito adquirido. É falta de vergonha adquirida.

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