São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
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Uma contribuição para o SUS

GETÚLIO HANASHIRO
O presidente Fernando Henrique Cardoso, no dia 19 de março, ao inaugurar nova ala do prestigioso Hospital Beneficência Portuguesa ecoou palavras do ministro Adib Jatene que fazemos nossas: "O SUS não está falido, tem dificuldades, como tudo que é grande neste país, e esses problemas são enormes. (...) Então, para dar conta de tudo isso, ou nós nos juntamos, ou nós vamos sempre choramingando a impossibilidade de fazê-lo. (...) Denunciar é importante, mas tão importante é corrigir, e para corrigir nós precisamos estar juntos, nós precisamos efetivamente despertar a consciência do país, não só para os seus problemas, senão também para as possibilidades de resolvê-los".
O Plano de Atendimento de Saúde (PAS) é a contribuição que a cidade de São Paulo está se dispondo a oferecer para a viabilização do SUS (Sistema Único de Saúde). Em nenhum momento ele foi cogitado como alternativa ao SUS, mas sim como modelo operacional para sua mais perfeita implantação. Com o PAS, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo não se isenta, mas sim se engaja no esforço nacional pelo SUS.
No entanto, os críticos preferem centrar suas atenções nesse plano e tomam seus pequenos detalhes, ainda em fase de concepção e abertos à contribuição solidária para sua definição, para acenar equívocos e lançar dúvidas sobre sua boa-fé.
São indivíduos ou grupos cujo compromisso com o SUS não ultrapassa a retórica e que, desprovidos de propostas que lhes dêem identidade própria, só podem se fazer reconhecer no princípio hegeliano da negação da negação: só são, ou só existem, enquanto contrapartida negativa do que é real e concreto.
Para negarem o PAS difamam-no e intimidam os profissionais de saúde com ameaças que violam o direito constitucional de livre associação, e aí sim têm sua afirmação: são difamadores e truculentos.
O PAS é uma das alternativas, e não a alternativa exclusiva, que a Prefeitura de SP está encontrando para garantir os princípios do SUS de universalidade e integralidade da atenção à saúde.
A universalidade está contemplada no direito irrestrito de adesão de qualquer cidadão ao PAS e não se confunde com a estratégia operacional que, na busca ativa de munícipes para cadastramento no plano, dará prioridade a pessoas isentas de IPTU, favelados e encortiçados. Qualquer morador de área de implantação do PAS que se apresente à qualquer unidade integrante do plano será cadastrado e usufruirá dos serviços que o PAS oferecerá.
Enquanto uma estratégia de organização dos níveis primário e secundário da assistência à saúde, o PAS buscará garantir a integralidade da assistência por meio de uma perfeita integração com o resto do SUS, valendo-se cada unidade do PAS do sistema de referência e contra-referência hoje existente.
Nesse sentido, a Secretaria de Saúde municipal não ignora as deficiências desse sistema, para cujo aperfeiçoamento alia-se às autoridades estaduais, mas vê mesmo na proposta do PAS uma oportunidade para o nível local negociar facilidades de referência e contra-referência através de cláusulas de um convênio entre cooperativas de trabalhadores da saúde e o poder público.
Além desses princípios do SUS, o PAS recuperará do discurso para a prática tanto a descentralização administrativa quanto a participação comunitária.
Organizado em unidades modulares como Sistemas Locais de Saúde (Silos), o PAS terá uma gestão a ser compartilhada por trabalhadores da saúde, comunidade e poder público. Enquanto este último, respondendo pelo planejamento estratégico, garantirá observância às políticas do SUS e financiará as despesas tanto de capital quanto operacionais, os trabalhadores da saúde gerenciarão a prestação de serviços segundo padrões de qualidade e ordem de prioridades definidas por um conselho de saúde em que as três partes intervenientes no processo se façam representar, na forma e proporcionalidade já fixadas em lei.
O PAS é economicamente viável. Prevê um financiamento com recursos do orçamento da saúde da prefeitura na ordem de R$ 10 "per capita" por mês. Embora esse valor possa ser revisto à luz da experiência objetiva de sua implantação, estudos técnicos preliminares indicam que esse aporte seja suficiente, até porque calcula-se que em 1994 os gastos do SUS no Estado de São Paulo com toda a assistência à saúde, inclusive as de nível terciário, não atingiram os R$ 6 "per capita"/mês.
Mais ainda, as empresas médicas de planos de saúde têm se mostrado viáveis com preços da ordem de R$ 20 "per capita"/mês para cobrir assistência até o nível terciário, e devem ter nessa receita provisão de lucro e de fundo de investimento/depreciação de capital, cada um devendo representar pelo menos 30% do preço final.
Finalmente, a Secretaria da Saúde tem um orçamento de mais de R$ 650 milhões para 1995, a segunda dotação da Prefeitura, por uma clara opção do prefeito Paulo Maluf de ir em encontro à modernidade.
Por outro lado, pesquisa realizada pela Fundação Seade sugere que na região metropolitana de SP apenas 40,4% da população seja clientela em potencial para o SUS. Isso significa que se o PAS pudesse vir a ser implantado imediatamente em toda a capital dever-se-ia esperar uma clientela da ordem de 4 milhões de pessoas, o que redundaria numa previsão anual de despesa de R$ 480 milhões, perfeitamente cabível para nossa atual dotação orçamentária.
A sociedade paulistana deverá saber reconhecer que os arautos da fé acusam de infidelidade o novo porque a defesa da velha ordem é a defesa de seus interesses, privilégios e poder. A brutalidade como forma de resistência à renovação tem exemplo histórico na Inquisição, cujos protagonistas se intitulavam "domini canes". Esses cães modernos continuarão a ladrar, mas não deterão a caravana da história.

GETÚLIO HANASHIRO, 51, sociólogo, pós-graduado em ciências sociais e administração pública pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Chile), é secretário da Saúde do Município de São Paulo. Foi secretário dos Negócios Metropolitanos do Estado de São Paulo (governo Quércia).

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