São Paulo, quinta-feira, 6 de abril de 1995
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Quadros e sofás

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Depois de botarem a culpa pela atual situação nos 495 anos de história nacional e quase a mesma idade para os problemas estaduais, tanto Fernando Henrique como Marcello Alencar suspeitam que parte da responsabilidade -ou toda ela- é devida aos quadros que ornamentam os respectivos gabinetes.
FHC cismou com o Manabu Mabe. Louvo-lhe o gosto: também não aprecio nem o quadro nem o estilo, mas acho que, a mudar alguma coisa na rotina palaciana, bem que podiam ter consertado o gravador e pago a gasolina do Geisel com outras verbas que não as do Fundo Social de Emergência.
Historiando a campanha da candidatura do ex-ministro da Fazenda, Gilberto Dimenstein e Josias de Souza contam o episódio: o governo precisava arrancar dinheiro para cobrir despesas emergenciais. Surgiu a idéia do fundo e a equipe econômica, liderada pelo próprio FHC, sugeriu que se dourasse a pílula com o nome "social". Sociólogo de ofício, ele se habituou à idéia de que, com a fachada do social, tudo é permitido.
O caso de Marcello Alencar é mais simples. Ele cismou que o quadro de Parreiras ("A Morte de Estácio de Sá") que desde o prefeito Mendes de Moraes decora o Palácio Guanabara, apesar de boa feitura acadêmica, é de mau agouro. Fico pensando se cada papa, depois de Júlio 2º, cismasse de mandar pintar novamente a Capela Sistina.
A abstração do quadro de Mabe define a abstração do governo de FHC: administrar 30 milhões de brasileiros que se agarram ao Primeiro Mundo e não querem abrir mão do direito de comprar aspiradores de pó em Miami por via postal. Em volta desses 30 milhões existem 110 milhões que aspiram o pó sem ser pela via postal. Na verdade, vivem dele.
Quanto à violência do quadro de Parreiras, o companheiro Marcello de lutas passadas pode ficar tranquilo. Entre a flecha tamoia que vitimou Estácio e os 38 dos bandidos que infestam a cidade, nada de ruim lhe acontecerá. O risco que ele corre é igual ao de todos nós -e já corremos riscos equivalentes.

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