São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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Começa em Ruanda julgamento do genocídio

DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

"Eu vou ser acusado de genocídio. É verdade, eu matei 900 pessoas e espero ser executado". Assim começou o depoimento de Musoro Ndura, um dos sete primeiros réus no julgamento iniciado ontem em Kigali, a capital de Ruanda, dos autores dos massacres étnicos ocorridos em 1994.
O julgamento começou exatamente um ano após a morte do presidente ruandês Juvenal Habyarimana, na queda de um avião. A queda, atribuída a um atentado, provocou uma onda de massacres étnicos entre maioria hutu e a minoria tutsi que deixou 1 milhão de mortos em três meses.
Os principais acusados pertenciam ao Exército, então controlado pelos hutus. A reação veio com a FPR (Frente Patriótica Ruandesa), guerrilha tutsi que acabou por tomar o poder em julho, formando o atual governo.
O primeiro réu apresentado ao tribunal ontem foi Ngomayubu Nkulikingoma, 17, acusado de ter assassinado 12 pessoas.
Representado por um advogado do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), por ser menor de idade, ele se declarou inocente.
À exceção de Ndura, que admitiu 900 mortes, os outros réus limitaram-se a responder ao procurador Silas Munyigashali quando seus nomes foram chamados.
Em seguida o juiz Claudien Gatere suspendeu a sessão, porque nenhuma testemunha apareceu. Isso dá uma idéia da dificuldade que terá Ruanda, um dos países mais pobres do mundo, para fazer justiça. São mais de 20 mil acusados.
O início de julgamento, num tribunal cercado por centenas de manifestantes tutsis, foi adiado por várias horas porque os militares que guardavam os réus temiam problemas de segurança. Depois, o carro que os levava quebrou.
"Todos admitimos -a ONU, o governo, as agências humanitárias e o mundo- que a justiça é o maior desafio para Ruanda. É uma pena haver tão poucos resultados até agora, mas é preciso lembrar que o Judiciário do país foi aniquilado pelo genocídio", afirmou Shaharyar Khan, enviado especial das Nações Unidas a Kigali.
A ONU atribui o atraso na reconstrução à falta de ajuda internacional e à intransigência do ministro da Justiça, Alphonse-Marie Nkubito. Há apenas 140 dos 512 assessores jurídicos necessários.
Nkubito rejeitou sugestões para estabelecer uma "comissão da verdade" tal como a que julgou os crimes do apartheid, o regime de segregação racial da África do Sul, e insiste em julgar cada um dos acusados individualmente.
Somente os "genocidas menores" serão julgados em Ruanda. Os líderes deverão ir a julgamento em um tribunal internacional a ser instalado em Asusha, na vizinha Tanzânia, no final deste ano.
Mas os países mais ricos não estão colaborando. "Eles prometeram apoio financeiro e logístico, inclusive especialistas, mas não cumpriram nada até agora", queixou-se o promotor Honore Rakotomanana, de Madagascar.
No julgamento dos líderes nazistas em Nurembergue, em 1946, os juízes dos países aliados tinham 2.000 funcionários à sua disposição. O tribunal internacional de Ruanda tem apenas quatro.
"Sabemos muito bem a importância do nosso trabalho e quão essencial ele é para a história da humanidade", disse Rakotomanana.

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