São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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A aposentadoria precoce da esquerda

BRASILIO SALLUM JR.

As disputas políticas em torno da reforma da Previdência parecem reafirmar a singularidade brasileira. Aqui a história dá a impressão de ocorrer com sinais trocados.
Ao longo dos últimos dois séculos de luta pela democracia, as tendências de esquerda podem ter se colocado algumas vezes contra a liberdade política, mas têm sido sempre vanguardeiras das igualdades política e social. Por isso chega a ser chocante a oposição que as esquerdas brasileiras fazem ao projeto de reforma da Previdência Social.
Sim, porque dificilmente se encontrará na cena política brasileira proposta mais contrária aos privilégios e, portanto, mais tendente à igualdade entre os cidadãos do que a apresentada pelo ministro Reinhold Stephanes.
A proposta não acaba com os regimes especiais que garantem, especialmente a funcionários, aposentadoria pelo salário de final de carreira sem que tenham contribuído para isso? Não elimina as aposentadorias especiais que garantem à classe média ilustrada menos tempo de atividade? Não proíbe o acúmulo de aposentadorias que só beneficia a mesma classe média?
Pois bem, em nome da manutenção da regra do tempo de serviço e contra a fixação de uma idade mínima para a aposentadoria, as esquerdas têm jogado objetivamente contra o projeto governamental e, portanto, contra o fim dos privilégios mencionados.
Os dirigentes de esquerda, com Lula à frente, não resistiram à oportunidade de explorar a incerteza provocada pelo projeto de reforma em cada um dos trabalhadores e aposentados.
Optaram por potenciar ao máximo essa insegurança individual, em vez de ajudá-los a encarar as questões do ângulo dos interesses a médio e longo prazo do conjunto dos assalariados e da sociedade de que fazem parte.
Ao proceder assim, demitiram-se de qualquer pretensão construtiva. Optaram pelo oportunismo e pela demagogia. Ou será que acreditam mesmo que o sistema previdenciário terá condições de proteger a classe trabalhadora ao cabo de seu período ativo sem um aumento das contribuições ou sem o fim dos privilégios?
Assim, colada na consciência rústica da "peãozada", a esquerda coloca-se firmemente em favor do status quo, beneficiando especialmente a classe média que se abriga no aparelho de Estado.
Com uma esquerda como essa, quem precisa do PFL para desenvolver uma política conservadora? De fato, ao assumir tal posição ela mesma acaba por desqualificar as denúncias que fazia na campanha eleitoral sobre o conservadorismo da aliança PSDB-PFL-PTB.
Não cabe aqui fazer uma análise sociológica dessa inversão política. Digo apenas que ela expressa uma dificuldade da esquerda de se posicionar frente à nova situação histórica inaugurada pelo fim do regime militar e pela crise do Estado nacional-desenvolvimentista.
Da posição de vanguardeira do reformismo, a esquerda foi se transformando em defensora principal dos restos do Estado desenvolvimentista -dos monopólios estatais, dos privilégios da tecnoburocracia, do nacionalismo varguista etc. Em vez de exigir mais reformas ou reformas mais amplas, passou à "defesa das conquistas da Constituição de 88".
Em vez de exigir, como na campanha presidencial de 89, a reforma da sociedade além da reforma do Estado, foi deixando de lado os projetos de reforma social e passando a uma posição defensiva, contrária à reforma do Estado.
É pena porque, assim, a esquerda desperdiça a extraordinária energia democratizadora que vem da sociedade e que só de quando em vez encontra canais adequados para se expressar no plano político.

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