São Paulo, sexta-feira, 7 de abril de 1995
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Seguridade social é solidariedade

EDUARDO JORGE

Em uma democracia, um partido de oposição, um sindicato, um movimento social pode e deve resistir com manifestações públicas pacíficas contra propostas de políticas públicas ou iniciativas legislativas com as quais não concorde. Ao mesmo tempo, porém, deve oferecer sua opção, sua alternativa concreta. Essa alternativa pode inclusive ser "quero que tudo fique como está". Ou pode ser "quero aperfeiçoar, mas tenho outros caminhos".
No caso da reforma na área da seguridade social, não mudar é perpetuar injustiças e ameaçar a viabilidade do sistema como um todo. Mudar no sentido da privatização é liquidar um dos únicos programas redistributivos no nosso país, aprofundando a desigualdade social.
A proposta de emenda constitucional 172/1993, de minha autoria, já refletia uma preocupação bem anterior de, por um lado, defender o conceito e programa de seguridade social iniciado pela Constituição de 1988 e, por outro lado, procurar mudanças para corrigir aspectos que conflitam com os princípios de universalidade, democratização, seletividade e equidade e dar estabilidade financeira ao sistema. Ela nasceu de debates no Congresso, entre parlamentares de vários partidos, inclusive com centrais sindicais e associações de aposentados.
Quais são suas orientações básicas?
1) Defender a seguridade social prevista na Constituição como uma articulação entre assistência social, saúde e previdência, com financiamento integrado e orçamento próprio. É a superação dos antigos conceitos mais estritos de seguro social, que priorizavam quem contribuía diretamente. Passa a ser um direito da cidadania. Nada mais correto, pois afinal a maior parte do financiamento sempre foi pago indiretamente por toda a população.
2) Uma gestão que seja pública e não meramente estatal. No comando, inclusive administrativo, estarão representantes do governo, dos trabalhadores, dos empresários e dos aposentados, com mandato outorgado pelo Congresso Nacional. Com isso estaremos enfrentando com mais eficácia as fraudes e as sonegações por parte dos empresários, além dos desvios de recursos e clientelismo por parte do Executivo federal.
3) Uma previdência pública básica geral que proteja a faixa dos trabalhadores brasileiros situados entre um e dez salários mínimos. Eles são 90% de nossa população. Nela todos estariam incluídos sem exceção, servidores civis, militares, trabalhadores urbanos, rurais, autônomos etc., com iguais direitos e deveres. O regime é de repartição simples.
4) Acima de dez salários, seria previdência complementar, facultativa, pública e/ou privada pelo regime de capitalização. Esse é um fato econômico e social que deve ser regulamentado para evitar abusos e subsídios injustificáveis, de forma a que o país se beneficie da sua capacidade de ativar e democratizar a economia nacional.
5) Reformular a aposentadoria por tempo de serviço introduzindo o fator renda na sua concessão. Para os trabalhadores de baixa renda, exigências menores quanto a tempo de contribuição e/ou serviço e idade. Para os trabalhadores de renda mais elevada, maiores exigências.
6) As aposentadorias especiais ou diferenciadas devem todas ser consolidadas numa lei complementar que especifique os fatores que justifiquem sua concessão. É prioritário, porém, como mecanismo protetor, a redução da jornada de trabalho.
7) Aposentadoria por idade unificada em 60 anos, para aqueles que não consigam aposentadoria por tempo de serviço. É necessário abrir exceção para trabalhadoras rurais (55 anos), por um período que ficaria garantido nas disposições transitórias.
8) Homens e mulheres com regras uniformes de benefícios. A compensação pelas especificidades da mulher deve ser dada através de maiores benefícios na época da maternidade, nos primeiros anos dos filhos e com redução da jornada de trabalho quando houver o trabalho doméstico.
9) A transição deve preservar os direitos adquiridos e a expectativa de direitos. As regras devem proteger os atuais aposentados e os trabalhadores que estão nos atuais sistemas. Os novos devem ingressar diretamente nos critérios reformados. Uma transição mais abrupta, até desejável em certos casos, provavelmente encontraria obstáculos jurídicos intransponíveis no Estado de Direito.
10) O financiamento da seguridade só pode ser pensado em sincronia com a reforma tributária, pois as atuais contribuições representam praticamente 50% do arrecadado pela União.
A Previdência, acossada por distorções corporativas, por mudanças de perfil demográfico e pelo crescimento da economia informal, necessita de mudanças estruturais. Mas ainda não está falida, não precisa ser reformada a toque de caixa. Mesmo na hipótese de uma renúncia da chamada dívida histórica da União, seu fôlego permite um debate amplo com transparência nas suas contas.
Porém o que quero é levantar um outro fator determinante para as mudanças, o da justiça, da equidade. Não devemos concordar com a manutenção de benefícios não-universalizáveis.
A seguridade social deve ser uma rede de proteção das famílias brasileiras e agir no sentido redistributivo em um país fortemente desigual como o nosso. Dessa forma não é responsável fechar os olhos às ameaças a sua estabilidade. Os partidos socialistas e populares não podem fugir do desafio de decifrar essa esfinge.

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