São Paulo, sábado, 8 de abril de 1995
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A nova ordem econômica mundial e seus riscos

FERNANDO ALCOFORADO

Após o colapso do socialismo no leste da Europa, difundiu-se a tese de que o capitalismo se expandiria por todo o planeta, assumindo características globais. A "Nova Ordem Mundial" em gestação indica, sem sombra de dúvidas, uma tendência de integração da economia mundial, com a constituição de blocos econômicos nas diversas regiões do globo terrestre, mas apresenta também, em contrapartida, amplas possibilidades de rupturas ou fragmentações, como se observa, por exemplo, no leste da Europa -particularmente na ex-Iugoslávia e na ex-União Soviética.
Os fatos da realidade estão demonstrando que a sobrevivência do capitalismo em nível global depende de sua expansão, em todos os quadrantes da Terra e sem entraves ao comércio internacional. O modelo erigido em Bretton Woods em 1944 para regulação da economia mundial, que resultou na constituição do FMI, do Banco Mundial e do Gatt, já se esgotou. Este modelo, estruturado com base na ação desses organismos e dos Estados-nações, está se tornando ineficaz para regular os sistemas econômicos mundial e nacionais, além de se constituir em entrave à expansão do comércio mundial.
A constituição há alguns anos do G-7, que engloba os países industrializados, a organização de blocos econômicos (como a União Européia, o Nafta, o Mercosul, a Apec e outros), bem como a formação da OMC (Organização Mundial do Comércio), resultante da Rodada Uruguai do Gatt, concluída no final de 1994, representam tentativas de ordenamento da economia mundial após a falência do modelo estabelecido em Bretton Woods.
A sobrevivência do capitalismo em nível mundial depende não apenas de sua expansão em nível global, com o fim das barreiras ao comércio internacional. Ela depende também do crescimento econômico do mundo em desenvolvimento. A necessidade de tal crescimento tem sido pouco observada, mas se torna evidente ao se considerar o quanto a demanda por exportações dos EUA depende de países fora da Europa e que não sejam o Canadá e o Japão.
"Durante os últimos três anos, exportações aos países que constituem o G-7 -Japão, Alemanha, Canadá, Reino Unido, França e Itália- cresceram a uma taxa anual de apenas 0,6%. Em contraste, o envio de produtos norte-americanos ao resto do mundo tem aumentado a uma taxa de 7,6%. Embora seja provável que a Europa e o Japão se recuperem eventualmente, as diferenças na taxa de crescimento provavelmente continuarão." (Rohatyn, Felix. Capital Mundial: A Necessidade e Os Riscos, Política Externa, Ed. Paz e Terra, vol. 3, nº 3, 94-95).
Segundo Rohatyn, será necessário um forte crescimento nas partes mais pobres do mundo para sustentar o crescimento no Ocidente, para manter os níveis adequados de emprego e para permitir que os novos ocidentais lidem com seus grandes problemas sociais. Para assegurar este crescimento na periferia capitalista seriam necessários recursos anuais da ordem de US$ 300 bilhões acima dos níveis atuais de investimento.
De acordo com estimativas da OECD, os fluxos de capitais privados, incluindo investimentos e empréstimos bancários a países em desenvolvimento, aumentaram de US$ 45 bilhões em 89 para US$ 62 bilhões em 91 e US$ 100 bilhões em 92. O total fica bem abaixo dos US$ 300 bilhões ao ano que seriam necessários para promover o crescimento dos países em desenvolvimento.
Ressalte-se, ainda, que a demanda de capital dos países europeus orientais e das ex-repúblicas soviéticas também será enorme. Cabe observar que, sem o aporte de recursos do exterior, os países ex-socialistas não se constituirão em economias de mercado nem implantarão instituições democráticas. Esta situação fará com que se torne ainda mais acirrada no mundo em desenvolvimento a concorrência pelo capital necessário ao crescimento econômico.
Além da escassez de capital, os países em desenvolvimento terão de lidar com capitais especulativos que, hoje, representam a maior parte do movimento de capitais mundial. Essa situação -escassez de capital associada à especulação- é altamente desestabilizadora e bastante perigosa. O exemplo recente do México é emblemático da necessidade de evitar que o equilíbrio no balanço de pagamentos seja alcançado com o ingresso de capitais externos especulativos.
Muito provavelmente, a maior parte dos capitais para investimento e para fins especulativos se dirigirá à Ásia, que, desde o final da década de 60, tem aumentado sua participação no produto bruto mundial. Em 1960, o leste da Ásia era responsável por 4% do produto mundial bruto. Atualmente, representa 25%.
Segundo Klaus Schwab e Claude Smadja ("Power and Policy: The New Economic World Order", Harvard Business Review, novembro-dezembro 1994), a Europa e os EUA têm crescido seus PNBs, nos últimos 25 anos, a uma média anual de 2,5% a 3%, enquanto muitos países do leste da Ásia têm observado taxas anuais de crescimento de 6,5% a 7,5%.
Para Schwab e Smadja, entre 1992 e o ano 2000 40% de todo o novo poder de compra no mundo estará no leste da Ásia e a região absorverá entre 35% e 40% do incremento das importações mundiais. Todo esse desenvolvimento fará com que, economicamente, o mundo passe a apresentar três centros de poder econômico: a Europa ocidental, a América do Norte e o leste da Ásia.
A perspectiva de expansão econômica da Ásia e da alocação da maior parte do fluxo de capitais para investimento e para fins especulativos nessa região representa uma real ameaça a países como o Brasil, enormemente carentes de capitais externos para promover seu crescimento econômico.
Os países do leste da Ásia apresentam hoje as condições que poucas nações reúnem para atrair capitais externos para investimento, quais sejam: elevadas taxas de crescimento econômico, mão-de-obra de baixo custo, mercado gigantesco, estrutura industrial de grande porte e estabilidade política.
Este cenário parece indicar que poucos países do mundo em desenvolvimento situados fora da Ásia terão a oportunidade de promover seus crescimentos econômicos. Os países que não se tornarem atrativos para o capital internacional ficarão à margem do processo de desenvolvimento do capitalismo mundial.

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