São Paulo, sábado, 8 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Aida' naufraga em SP com som inaudível

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não tem jeito. Quando não é a chuva, é o som. A mediocridade da aparelhagem sonora coroou a bagunça da montagem da ópera "Aida" em São Paulo anteontem.
Pigarros, alarido da produção, eco e muito chiado. Tudo isto e, eventualmente, um pouco de música as caixas acústicas transmitiram ao Constâncio Vaz Guimarães anteontem à noite.
Tradicional bode expiatório dos fiascos artísticos paulistanos, a orquestra fica, desde já, absolvida, condenada que foi à inaudibilidade. Também ao maestro Júlio Medaglia, além da lentidão da regência, não há muito que imputar. O verdadeiro maestro foi o microfone, cujos humores, e não a batuta de Medaglia, determinavam as variações de intensidade da música.
Muito complicada também ficou a situação dos solistas búlgaros. Além de se exporem ao frio e à umidade, ficaram completamente escravizados pelo som. As diferentes inflexões de voz não eram dadas pela intenção dramática dos cantores, mas pelo errático desempenho do equipamento sonoro.
Só não dá para isentar mesmo o coro "caiu na rede é peixe". "Nightmare Team" formado por membros dos corais Baccarelli e da Legião da Boa Vontade, o coro comprova que, pelo menos no canto lírico, o nhenhenhém neoliberal da maior eficiência da iniciativa privada em relação ao Estado carece de comprovação.
Aliás, já dava para desconfiar do som no ensaio geral de quarta à noite. Orquestra e solistas tiveram que ensaiar sem amplificação.
Camelos, cavalos e telões com legendas, prometidos pela produção, não compareceram. Estes últimos foram substituídos por um mestre de cerimônias que, a cada intervalo, fazia a gentileza de explicar a ópera a quem não se dispôs a pagar R$ 10 pelo programa.
Além do problema do som, houve o das luzes. Chapada e burocrática, a iluminação não ajudava em nada o público, que, nas cenas de conjunto, além da algaravia sonora, não conseguia identificar visualmente os solistas.
Pelo menos a atrapalhação cênica foi menor do que em Campinas. Os cenários não empacaram no meio do palco e o balé conseguiu dançar sem sustos.
A platéia, em meio a esta bazófia, acabou fazendo o que pôde, conversando e caminhando durante a apresentação. Afinal, quem conseguiria se concentrar em meio a morcegos, aviões, vendedores de cachorro-quente e uma ruidosa lanchonete?
Ficou comprovado, de qualquer maneira, que existe público para ópera em São Paulo. Um público capaz de enfrentar quatro horas de frio, sentado no cimento ou em cadeiras de plástico, vendo pouco e ouvindo menos, e ainda achar motivos para aplaudir entusiasticamente no final.
O fracasso de "Aida" mostra que não há tecnologia para megaeventos líricos ao ar livre no Brasil. Uma iniciativa muito mais válida seria investir numa temporada operística regular. Não adianta querer fazer uma "Aida" suntuosa por ano e depois ficar vivendo de frustrantes montagens em "versão concerto", sem cenários, figurinos ou gente na platéia.

Texto Anterior: Chega a Diamantina "expedição Langsdorff"
Próximo Texto: MTV lembra um ano da morte de Kurt Cobain com três programas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.