São Paulo, sábado, 8 de abril de 1995 |
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"Cinema se tornou um escravo da narração"
ELAINE GUERRINI
A história se passa inteiramente na escuridão e o elenco conta apenas com atores com mais de 65 anos. "Eu não desisti do projeto. Só vou adiá-lo por um tempo até conseguir financiamento. O próprio 'The Pillow Book' deverá abrir as portas." Este novo filme conta com um diferencial em termos visuais. Em alguns momentos da edição, Greenaway pretende fazer uma montagem e dividir a tela em três partes. Algumas sequências devem apresentar três cenas ao mesmo tempo. A ação principal se desenrola na tela de tamanho natural, enquanto duas pequenas telas trazem imagens em preto-e-branco. Uma delas, situada ao centro, mostra detalhes de caligrafia e a outra, um pouco acima, se encarrega das cenas de flashback de infância da protagonista. "Estou buscando um caminho diferente, fora do convencional. A maioria dos filmes segue a mesma direção, é sempre a mesma coisa. O cinema se transformou em um escravo da narração", afirmou Greenaway. O diretor acredita que o cinema, assim como a música, precisa de sequências, o que não significa necessariamente um trabalho narrativo. "Esta função faz muito mais sentido na literatura." Quanto ao "The Pillow Book" original, Greenaway garante que a sua intenção não é adaptar o texto para a tela. "Eu sou absolutamente contra este tipo de trabalho, considero uma grande perda de tempo. Quando uma obra é concebida originalmente em palavras, é nesta forma que ela deve permanecer. O clássico serviu apenas como uma fonte de inspiração. Eu me sinto completamente livre para desenvolver o meu filme." Mais uma vez, Peter Greenaway está disposto a explorar os extremos. O que começa apenas no plano metafórico vai se transformar em literal. "Assim como aconteceu com o tema do canibalismo em 'O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante' (1989), a união da carne com o texto também será levada às últimas consequências", contou. Por abordar a caligrafia e a cultura japonesas, a fotografia do filme promete ser "exuberante". "O estilo visual vai lembrar aquarelas e gravuras japonesas." O erotismo e a sensualidade também ganham atenção especial. "É inútil tentar separar a nudez da sexualidade. É humanamente impossível olhar o nu sem qualquer tipo de sentimento. Mas, ao mesmo tempo, existem outras atitudes com relação ao corpo. Em 99% dos filmes de Hollywood, os atores só tiram a roupa para transar. É muita falta de imaginação." Para fugir do cinema tradicional, Greenaway prefere surpreender, confundir, intrigar, chocar ou mesmo enfurecer o público -"tudo, menos agradar". "Em meus filmes, eu lido com idéias e procuro explorá-las de diversas formas. Eu não quero que o meu trabalho corresponda às expectativas. Isto sempre foi uma constante na minha carreira como diretor. Mesmo filmes mais antigos, como 'A Barriga do Arquiteto' (1986) e 'Afogando em Números' (1989), refletem esta minha preocupação." Quanto aos pontos de interrogação sobre sua obra, o diretor não parece interessado em apresentar respostas ou saídas -mesmo sabendo que a sua opção deixa o público mais livre para buscar diferentes interpretações. "Eu prefiro pensar que isto é inevitável. A partir do momento em que você coloca um filme no mercado, as pessoas podem fazer o que quiserem. Isto não me incomoda. Eu só garanto uma coisa: para tirar alguma conclusão sobre qualquer um de meus filmes é preciso pensar e pensar bastante." (Elaine Guerini) Texto Anterior: Masp expõe 60 fotos de Mário Cravo Neto Próximo Texto: Diretor expõe em Nova York Índice |
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