São Paulo, sábado, 8 de abril de 1995
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A roleta da inflação

FERNANDO DE HOLANDA BARBOSA

A história recente nos ensinou que a roleta do cassino da inflação brasileira é viciada

O sucesso do Plano Real até agora parece ter produzido no governo a ilusão de que o brilhante truque heterodoxo da conversão da URV no real, e a irresponsabilidade de uma taxa de câmbio artificial que provocou uma monumental farra dos importados, seria suficiente para eliminar o processo hiperinflacionário brasileiro.
As lições do Plano Cruzado e de outras experiências fracassadas foram jogadas na lata do lixo. A inflação está voltando, e, se nada for feito, ultrapassará no segundo trimestre a taxa de 20% ao ano num caminho sem retorno.
Portanto, o governo defronta-se atualmente com a seguinte opção: 1) dar prioridade ao combate à inflação para erradicá-la de maneira definitiva, ou 2) conviver com a inflação, na velha tradição brasileira de que este cancro social pode ser contido pela quimioterapia da indexação.
Na primeira alternativa, o governo não terá de promover uma nova desvalorização do real a curto prazo, mas deverá tomar medidas que causam redução do nível de atividade econômica, isto é, recessão.
Nas condições atuais, devido aos erros de política econômica cometidos nos últimos nove meses e não como subproduto da crise mexicana, não existe outro caminho para salvar o Plano Real. Se a meta do governo for erradicar a inflação, conforme compromisso de campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso, o crescimento do produto real será uma variável residual.
Este sofrimento, no curto prazo, pode ser diminuído se a administração do presidente Fernando Henrique Cardoso deixar de ser hesitante e titubeante, apresentando propostas integradas, claras e definidas de reformas da Constituição, um programa acelerado de privatização para redução do estoque da dívida pública e uma reforma do sistema financeiro que possibilite ao Banco Central ter instrumentos eficazes para a condução da política monetária.
Na segunda alternativa, que consiste em adotar uma estratégia para conviver com a inflação, o governo não somente terá de promover uma nova desvalorização do real a curto prazo, mas também terá de ressuscitar a política de minidesvalorização do câmbio, introduzida no Brasil em 1968 por Delfim Netto.
A elevação recente das alíquotas de importação deu algum fôlego ao governo, mas a atual banda cambial é insustentável numa economia com taxas de inflação mensais equivalentes a taxas anuais acima de 20% ao ano. Será bastante difícil impedir a reindexação da economia e proibir a reabertura do cassino da inflação, onde todos jogam, mas os trabalhadores sempre perdem.
A nossa história recente já nos ensinou que a roleta desse cassino é viciada, e que, depois de algum tempo, só produz estagflação -a combinação perversa de estagnação com inflação. A sociedade brasileira nas últimas eleições demonstrou de maneira inequívoca a sua preferência. Cabe agora ao governo transformar essa aspiração em realidade.

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