São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Toffler alerta para risco de mercado globalizado

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o futurólogo e escritor norte-americano Alvin Toffler, 66, a "era da informação" ou a "terceira onda" -como batizou um conhecido best-seller-, carrega também preocupantes ameaças.
A capitulação financeira do México e a insolvência do banco inglês Barings, em razão de uma aposta na bolsa de Tóquio, representam a face oposta da mesma moeda onde reluzem maravilhas da eletrônica.
"O veloz deslocamento dos capitais sem fronteiras e computadores criaram instrumentos bilionários cujo funcionamento a maioria das pessoas desconhece", disse Toffler à Folha em sua passagem pelo Rio de Janeiro, na semana passada, onde participou do seminário "Transformando Organizações", promovido pela IBM.
Segundo Toffler, os sinais do futuro raramente estão nas estatísticas. "Em 1970, psicólogos do governo garantiam que não haveriam mudanças no núcleo familiar", conta. "Hoje apenas 5% das famílias norte-americanas assemelham-se às daquela época."
Toffler, festejado "guru" de Newt Gingrich, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, comenta ainda o fenômeno da crescente influência da TV.

Folha - O que a crise do México sugere para um especialista em mudanças produzidas pela informação?
Alvin Toffler - A globalização é parte da onda pós-industrial. Foram rompidas as barreiras que limitavam o capital às fronteiras nacionais. O dinheiro passou a se deslocar muito mais rapidamente e os investimentos se tornaram temporários. Hoje estão no México, amanhã na China.
Folha - Isso não tornou os países vulneráveis?
Toffler - A liberalização transformou a economia em algo perigoso. Pode ser comparado a um cargueiro. Antes um compartimento podia vazar, mas os outros se mantinham intactos. Hoje o navio afunda. O computador possibilita análises e operações financeiras instantâneas. Isso é reflexo da crescente abstração do conhecimento próprio da era da informação.
Folha - O sr. costuma reagir com ceticismo quando indagado sobre as perspectivas do Mercosul (Mercado Comum do Sul). Por que?
Toffler - Também não sou otimista quanto à União Européia. O problema não é unir o mercado, mas ter uma estratégia. Era lógico que os europeus começassem a criar seu mercado comum nos anos 50. Mas a estratégia era ruim. Injetaram-se bilhões em subsídios agrícolas e quase nada em ciência e tecnologia. Hoje não há empresa européia que consiga competir na informática com as norte-americanas. Os europeus possuem apenas 5% do mercado de software (programa de computador). O Mercosul pode evitar esse erro se não basear sua estratégia exclusivamente na indústria.
Folha - A sociedade da informação forçará os governos a serem eficientes?
Toffler - Não vivemos numa democracia, mas sob o regime da demoburocracia. Suas estruturas estão anacrônicas. As mudanças decorrentes dos avanços tecnológicos enfraquecem o Estado, que não pode mais controlar o deslocamento de dinheiro, nem a informação. O Estado perdeu também o monopólio da violência. Até no Japão, uma sociedade pacífica, está difícil controlar a violência.
Folha - Na Ásia, governos retrógrados convivem com tecnologia de última geração. Não é incoerente?
Toffler - Isso não será sustentável por muito tempo. As pessoas passam a ficar a par do que acontece e começam a exigir certas liberdades. Sociedades submetidas à repressão não geram inovação.
A região sudoeste da China (onde proliferam formas capitalistas) está muito mais ligada a Taiwan, Cingapura e Vancouver do que ao resto do país.
Folha - O sr. constata aumento da influência da TV sobre os cidadãos?
Toffler - A TV encurtou o horizonte de tempo das pessoas, que passam a exigir respostas instantâneas. A decisão de enviar ou retirar tropas de um país é tomada com base em imagens de TV. Nenhuma instituição teve tamanha influência nos acontecimentos históricos, transformados em jogos de TV. Como a mídia não foi democraticamente eleita surge um paradoxo. A democracia perde se a mídia for ou não for controlada.
Folha - Quais os valores de uma cultura da imagem?
Toffler - Precisamos treinar as futuras gerações para que compreendam o que vêem. Uma escola canadense distribuiu câmeras para crianças de oito anos e mandou que filmassem uma rua. Elas viram como a rua era bonita. Em seguida, foram instruídas a mostrar que a rua era feia. Aprenderam, então, que a imagem é dúbia.

Texto Anterior: Absurda escalada tributária
Próximo Texto: Guru trabalha com tesoura
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.