São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Bolsas de Valores -mitos e realidades

HENRIQUE FREIHOFER MOLINARI

Críticas resultam de desinformação sobre o funcionamento do mercado de ações
Recentemente, têm surgido alguns questionamentos de setores da opinião pública sobre o mercado de ações e o papel das Bolsas de Valores. Na verdade, tais críticas resultam, em geral, de desinformação sobre o funcionamento deste mercado. Inicialmente, cabe aqui uma reflexão sobre a função econômica do mercado de capitais. Como se sabe, o investimento produtivo é sempre financiado por poupança. Numa economia moderna, os canais de transferência de poupanças para o financiamento de investimentos são variados, o mercado de ações constitui um destes canais.
O mercado primário de ações desempenha um papel importante na capitalização das empresas, ao transformar poupança em participação acionária, carreando estes recursos para o financiamento de projetos de investimentos das empresas. Com a vantagem de serem recursos não-exigíveis, ao contrário do financiamento através do sistema de crédito.
Por sua vez, as Bolsas de Valores têm como principal objetivo manter um mercado ordenado para as operações de compra e venda de títulos, realizadas pelas corretoras de valores. Os negócios realizados nas Bolsas estão sujeitos a regras de conduta que buscam garantir um ambiente competitivo e transparente para as operações.
O objetivo é tornar a formação dos preços a mais perfeita possível, refletindo as reais condições de oferta e demanda do mercado. Para tanto, as Bolsas dispõem de instrumentos de acompanhamento e fiscalização das operações, facultadas por seus poderes de auto-regulação, que lhes permitem prontamente detectar e reprimir eventuais ocorrências de práticas lesivas que possam distorcer a correta formação dos preços.
É a desinformação quanto a este ponto que estimula uma postura frequentemente hostil de alguns setores da opinião pública em relação aos negócios realizados nas Bolsas. Este tipo de crítica confunde manipulação do mercado com especulação. A figura do manipulador (aquele que procura assumir posições concentradas no mercado para poder influenciar os preços) é combatida em qualquer mercado organizado do mundo. E não é diferente no Brasil.
Contra esta forma de distorção, o mercado conta com a atuação fiscalizadora e repressora da Comissão de Valores Mobiliários e com o poder auto-regulador das Bolsas. O caso recente de punição de operadores no âmbito da Bovespa e da BM&F é ilustrativo da eficiência da atuação auto-reguladora das Bolsas.
Por sua vez, a figura do especulador é benéfica para o funcionamento do mercado. O especulador é simplesmente aquele que acredita (que "especula") na ocorrência de certos eventos futuros e toma uma posição no mercado em consonância com suas expectativas. Com isto, assume o risco associado à não-ocorrência dos eventos esperados. E sua atuação contribui para incrementar a liquidez do mercado, ao assumir a ponta contrária daqueles que desejam transferir riscos.
Portanto, a interpretação corrente que se faz do mercado, como um local de jogo barulhento e indecifrável, é fantasiosa e ingênua, configurando uma representação totalmente distorcida da realidade do mercado de ações.
Um outro tipo de crítica aborda a questão do investimento estrangeiro nas Bolsas brasileiras. Com a abertura do mercado brasileiro, esses capitais começaram a ingressar no nosso mercado, como já tinha ocorrido em outros países emergentes.
Entretanto, nunca chegamos perto de uma situação parecida com a do México ou da Argentina, onde esses recursos chegaram a representar por vezes mais de dois terços dos negócios realizados nas Bolsas. Aqui, nos períodos de maior atividade, o capital estrangeiro representou cerca de 25% dos negócios. O estoque de ações de companhias brasileiras em poder de investidores estrangeiros situava-se, no final de fevereiro, em US$ 12,3 bilhões, representando apenas 8% do valor de mercado de todas as companhias listadas nas Bolsas brasileiras. Portanto, é equivocada a afirmação de que os capitais provenientes do exterior possam desestabilizar o ambiente de negócios nas nossas Bolsas.
Outra afirmação igualmente equivocada sugere que, nos últimos anos, as Bolsas destinaram a maior parte de suas energias ao atendimento do investidor estrangeiro, em prejuízo do investidor nacional. Não custa recordar, por exemplo, que a Bolsa de Valores de São Paulo tem sido determinada na busca de uma mudança na legislação atual dos ADRs, cujas imperfeições favorecem o investidor estrangeiro em detrimento do nacional e estimulam a transferência da liquidez do nosso mercado para as Bolsas de outros países.
A Bovespa se posicionou publicamente contra essa distorção, alertando as autoridades governamentais e, inclusive, encaminhando à Comissão de Valores Mobiliários propostas de mudanças na regulamentação. Trata-se, portanto, de uma atuação institucional em benefício do investidor nacional.
Existem outras iniciativas voltadas para o fortalecimento do mercado nacional, que não são tão aparentes para o público em geral, mas nem por isso são menos importantes. Vale destacar, por exemplo, os investimentos empreendidos pelas Bolsas na sua infra-estrutura tecnológica, aí incluídos os sistemas de negociação via terminais, os sistemas de custódia de títulos e de liquidação de operações, além de serviços diversos oferecidos através de terminais para os usuários.
Tais desenvolvimentos certamente foram um fator determinante na explicação do notável crescimento do mercado nacional nos últimos anos. Esses aprimoramentos incrementaram a produtividade da indústria de intermediação, viabilizando redução de custos e beneficiando investidores, companhias abertas e intermediários.
Ainda em benefício do mercado nacional, vale registrar os programas de formação de cultura na área do mercado de capitais, desenvolvidos pelas Bolsas. Na Bovespa, todos os anos são promovidos dezenas de cursos de treinamento para profissionais do mercado, envolvendo milhares de alunos.
A Bovespa também estimula o interesse acadêmico no mercado, patrocinando concurso anual de administração de carteira de títulos para universitários. Visando despertar os mais jovens para o papel do mercado, a Bolsa mantém um programa regular de visitas à sala de negociações, voltado para crianças e adolescentes.
Como se pode concluir, há uma enorme distância entre a realidade do mercado acionário brasileiro e os mitos que se criaram em torno dele. As Bolsas são meramente uma associação de corretoras, voltada para manter um local de negócios de compra e venda de títulos, num ambiente competitivo e transparente, sustentado por regras claras e rígidas.
São entidades que desempenham uma função econômica importante, pois complementam a atuação do mercado primário, são instrumentos de democratização do capital e palco natural do programa de privatização de empresas estatais. E são instituições que sempre se pautaram por uma atuação firme em defesa do fortalecimento do mercado nacional.

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