São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Ouça os meninos de São Caetano

LUÍS NASSIF

Nesses tempos em que se decide o futuro do país, em que se procura romper com dois séculos de um modelo político espúrio, injusto e predador, em que as dificuldades em conduzir as reformas espalham desânimo e frustração, ouça os meninos de São Caetano, a Banda Sinfônica do Agreste.
Não procure compará-los aos Meninos Cantores de Viena, com suas vozes de sabiás educados e sua pose de almofadinhas. Nas vozes dos nossos meninos, a emoção sobrepõe-se à técnica.
A música foi o fio condutor que os livrou da barbárie a que foram confinados pelo Brasil oficial. Como flores do agreste, conseguiram superar a seca, a aridez da terra, os predadores políticos e os parasitas oficiais, e desabrocharam lindos, lindos, espelhando pelo sertão a verdadeira alma brasileira.
Não são meramente cantores, nem apenas crianças. São sobreviventes. Driblaram os índices de mortalidade infantil, as doenças de infância, a desnutrição, a falta de escolas e de saúde. E a ausência do Estado.
Quando suas vozes de criança entrelaçam-se em contrapontos em torno dos versos da "Penas do Tiê", não é acalanto, é celebração, a revanche do Brasil marginal que o Brasil oficial não conseguiu matar.
Hoje os meninos de São Caetano despertam profunda nostalgia, por lembrarem o país que poderia ter sido. No futuro, outros meninos de São Caetano poderão ser o exemplo vivo de um novo Brasil, onde as potencialidades de suas crianças florescerão em terras irrigadas pela cidadania e pela solidariedade, a salvo do coronelato político e dos interesses corporativistas menores.
A exemplo de "Paratodos", de Chico Buarque, quando as dificuldades com as reformas produzirem desânimo e crescer o medo de o Brasil perder definitivamente o bonde da história, a ponto de paralisar as ações, tome os meninos de São Caetano.

O estranho dr. Ennes
A história brasileira pouco fala do dr. Ennes de Souza, primeiro diretor da Casa da Moeda no período republicano. Era um sujeito tão estranho quanto seu nome. Em sua gestão, remeteu carta ao ministro da Fazenda Ruy Barbosa, recomendando que não aceitasse indicações políticas para cargos públicos.
A carta do dr. Ennes foi encontrada pelo historiador José Murilo de Carvalho nos arquivos de Ruy Barbosa, quase um século depois, perdida entre correspondências de Benjamin Constant, Campos Salles, Francisco Glicério, Floriano Peixoto, do presidente Deodoro da Fonseca e de dona Mariana, sua digníssima esposa, todas com pedidos de empregos para amigos e apaniguados.
Na margem da carta, uma anotação do secretário de gabinete de Ruy tranquilizava o ministro. Dizia para não se importar, que o dr. Ennes era, de fato, muito estranho, mesmo.

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