São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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Semana de 67 horas sufoca a criatividade

DO "THE INDEPENDENT ON SUNDAY"

Certa vez, o filósofo grego Sócrates (470-399 a.C.) observou: "Trabalhadores são maus amigos e cidadãos". Naquela época, alguns homens tinham tempo para praticar a democracia -o trabalho era feito só por escravos.
Hoje somos livres, mas não temos tempo. Se temos um emprego, somos escravos dele. Os perigos do trabalho em excesso e seus efeitos sobre a saúde e o casamento e a vida familiar já foram amplamente debatidos.
O teórico empresarial Charles Handy resume a tendência atual das empresas: empregar metade do número de funcionários, pressioná-los a trabalhar duas vezes mais e triplicar a produtividade.
Se eles acabarem esgotados, que importa? Não faltam outros candidatos fazendo fila para seus empregos. Charles Handy previne que a semana de trabalho de 67 horas está se aproximando -exatas 13 horas e 24 minutos para quem trabalha cinco dias/semana.
Se é fato que a vida produtiva no trabalho caiu de 47 para 30 anos, também é fato que trabalhamos as mesmas 100 mil horas nesse mesmo espaço de tempo.
Mas não é apenas a quantidade de trabalho que mudou: a qualidade também -e muito. E esse fato pode gerar efeitos que ainda sequer começamos a considerar.
Será possível que o trabalho, sob sua forma moderna, não nos deixe apenas cansados e estressados, mas também nos roube o vigor criativo? Estará o trabalho afetando a qualidade de nossos pensamentos?
A natureza do trabalho está mudando de duas maneiras. Primeiro, o número de pessoas que realmente fabricam coisas está caindo. Segundo, todo mundo está fazendo muito mais "análise simbólica".
Para Robert Reich, secretário norte-americano do Trabalho e ex-acadêmico da Universidade de Harvard (EUA), "analistas simbólicos são pessoas que resolvem, identificam e intermediam problemas, manipulando símbolos".
Esses profissionais passam boa parte do tempo diante de terminais de computadores, mas raramente se encontram cara a cara com quem está do outro lado da rede.
Serão os reis da nova economia de informação e serviços -tecnocratas altamente treinados, funcionários de colarinho branco, gerentes e criadores do mercado.
O secretário Reich calcula que os analistas simbólicos já constituem 20% dos trabalhadores dos EUA contra 8% na década de 50.
Mas, embora o futuro pareça rosado, os analistas simbólicos (mais do que qualquer outro grupo, eles se beneficiaram da polarização da riqueza dos últimos 15 anos) não parecem ver suas próprias perspectivas com muito entusiasmo.
Criamos rótulos para o preço psicológico cobrado pelo novo mundo do trabalho. Algo como excesso de trabalho, estresse, esgotamento total, entre outros.
Fazemos estimativas de custo -bilhões de dinheiro, milhões de dias de trabalho perdidos por ano-, mas não as compreendemos realmente.
O que sabemos é que a semana de trabalho de 67 horas está causando efeitos desagradáveis sobre nossa sensação de bem-estar.
Os ocidentais vêem o trabalho sob uma ótica peculiar: acreditam -ou acreditavam- que ele tem uma razão de ser moral.
Essa visão não é compartilhada pela maioria das pessoas que trabalham fora da Europa e da América do Norte.
E, tampouco, era pelos europeus antes do protestantismo. Eles trabalhavam menos e praticamente não acreditavam na natureza enobrecedora do trabalho.
Como já demonstraram autoridades no assunto, como o professor Marshall Sahlins, autor de "Stone Age Economics" (Economia da Idade da Pedra), mesmo o tão criticado caçador-coletor tinha bastante tempo livre -trabalhava apenas 15 horas por semana.
A ética do trabalho, que vinculou a graça divina e a salvação às boas obras, foi o motor psicológico do regime capitalista.
Mas, com o cristianismo em retirada e seu sistema de recompensas transcendentais desacreditado, tudo que resta da ética do trabalho são os efeitos colaterais.
Temos a compulsão sem o objetivo moral enaltecedor. E vem daí a "labuta ingrata", agora associada aos ataques cardíacos.
Robert Bly, guru do embriônico movimento de "libertação dos homens", diz que as discussões mais carregadas de emoção são as dos grupos que acreditam que o trabalho os levou a um beco sem saída.
"O racionalismo é árido demais para eles ou o trabalho deixou de fazer sentido ou, então, não deixa tempo para ficarem com suas famílias. Ou, ainda, é estúpido, desonroso."
Aprendemos a esperar muita coisa do trabalho. A ética ensinou a buscar a realização. Também gostaríamos que fosse divertido.
Em termos puramente econômicos, precisamos ser criativos: as idéias são a moeda forte da era da informação, a chave para o sucesso competitivo. Levando tudo isso em conta, o futuro parece sombrio.
A análise simbólica -a manipulação de fatos, os números e conceitos- é um processo supremamente intelectual. É o que os psicólogos chamam de função "do hemisfério cerebral esquerdo".
As experiências indicam que os dois hemisférios cerebrais governam áreas distintas do funcionamento humano.
O hemisfério esquerdo é abstrato, racional, organizador. O hemisfério direito é intuitivo, íntimo e místico.
Há riscos quando esse equilíbrio é rompido. As mudanças no trabalho ameaçam. No prazo de meia geração, milhões de nós fomos sugados para dentro de empresas e colocados diante de computadores.
Analisamos e manipulamos símbolos sem fim sob condições que se aproximam de uma total privação sensorial.
Elas são controladas, artificiais, rigorosamente excludentes de qualquer coisa que não seja condutiva ao trabalho.
Processamos volumes maiores de informação em velocidades mais altas por períodos mais longos. Somos mais eficientes em termos quantitativos. Nosso desenvolvimento qualitativo é sustado.
A tecnologia facilitou as comunicações e as tornou muito mais velozes, mas eliminou a necessidade de contato humano.
Antes, as transferências de informações envolviam a necessidade de viajar, encontrar pessoas, ir à biblioteca, conversar com o gerente do banco. Agora, quase tudo é resolvido na tela do computador.

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