São Paulo, domingo, 9 de abril de 1995
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O Brasil a cavalo, de bote e de navio

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Reedição não é o termo mais apropriado quando a obra em questão é "Apontamentos de Viagem de São Paulo à Capital de Goiás, desta ao Pará, pelos rios Araguaia e Tocantins, e do Pará à Corte". Publicado em 1883, sem menção de data, local ou editor, em tiragem limitadíssima, este livro de Joaquim de Almeida Leite de Moraes (1834-1895) -advogado, escritor, jornalista, deputado liberal e governador da província de Goiás-, que se filia à melhor tradição da chamada literatura de viagem, tem o frescor das obras inéditas.
Segundo o crítico e historiador da literatura Antonio Candido de Mello e Souza, responsável pela introdução, cronologia e notas, "'Apontamentos de Viagem' vale pelo que mostra do interior do Brasil no século passado, através das longas e perigosas viagens feitas pelo autor, Leite de Moraes, a cavalo, de bote, de navio. Ao todo, mais de 30 dias de São Paulo a Goiás, outro tanto de Goiás a Belém do Pará, e cerca de 15 dias de Belém ao Rio, nos anos 1881, 1882 e 1883. A sua leitura é extremamente agradável e prende o tempo todo, devido à fluência de uma prosa singela, mas muito expressiva, a serviço de uma grande capacidade tanto de descrever cenas e paisagens quanto de narrar episódios. Pode-se dizer que deste livro o valor documental prende tanto quanto a maneira de escrever. Por isso, não é de espantar que um grande especialista da literatura de viagens no Brasil, Rubens Borba de Moraes, tenha dito que é um dos melhores do gênero.
A viagem fluvial de Leite Moraes só encontra equivalente na realizada pelo seu antecessor na presidência de Goiás, Couto de Magalhães. Mas, de acordo com Antonio Candido, o relato de sua aventura "ficou praticamente desconhecido, porque foi editado pelo próprio autor em tiragem pequena, da qual devem sobrar pouquíssimos exemplares".
Um último aspecto confere relevo histórico à esta obra e deve ser destacado: o grande companheiro de viagem de Leite Moraes foi Carlos Augusto de Andrade (1855-1917), que além de ser seu oficial de gabinete, era nada mais nada menos que o pai do escritor modernista, Mário de Andrade. Uma viagem destas exigia preparo e além de tudo, muita coragem. Ainda mais para alguém como Carlos Augusto que, por diversas vezes, no curso desta aventura fluvial, passou por situações de grande risco e, com um agravante, não sabia nadar.
Mas, se o relato de viagem deixa o leitor impregnado pela dimensão da paisagem, só o retorno à casa traduz o sentimento de tempo provocado pela distância, margeando a morte.

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