São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Leia a íntegra do discurso de FHC no seminário

Esta é a íntegra do discurso do presidente Fernando Henrique durante o seminário sobre concessões públicas divulgada pela Presidência da República.

Senhores ministros. Senhores parlamentares. Senhoras e senhores.
Pessoalmente, é um momento importante para mim, hoje, porque nós vamos discutir a Lei de Concessão de Serviços Públicos. E muitos dos aqui presentes sabem que, não tendo sido o único, fui dos que mais lutaram no Senado Federal para a aprovação desta lei.
Eu nem me lembro mais quando eu propus, (há) cerca de quatro anos. Mais tarde, essa lei passou por várias modificações. Foi à Câmara, a Câmara enriqueceu o projeto, houve um substitutivo do deputado Aleluia, voltou ao Senado, infindáveis discussões e negociações, todas elas acompanhadas de perto por mim ou por meus assessores.
E foi preciso um esforço adicional, tendo já passado pelo Ministério da Fazenda, sem conseguir a obtenção da aprovação da lei, para que, no primeiro mês de exercício da Presidência da República, com a cooperação do secretário de Energia e dos governadores dos Estados mais diretamente atingidos favoravelmente por esta lei, para que nós pudéssemos, finalmente, levá-la à sanção, ou trazê-la, no meu caso, à sanção. Foi sancionada e, hoje, é uma lei.
E, em inúmeras ocasiões, eu me referi à importância de nós dispormos de um instrumento legal que permitisse ao Brasil disciplinar um artigo da Constituição que, a meu ver, tinha uma importância equivalente ao esforço que o governo vinha fazendo. O governo do presidente Itamar e o antecessor já o haviam feito, no sentido de redefinirmos as tarefas a serem cumpridas entre o Estado e o setor privado.
Também, em várias ocasiões, eu me referi ao fato, desde o dia em que assumi o Ministério da Fazenda, há algum tempo, me referi ao fato de que, hoje, a discussão dessas matérias perdeu o cunho marcadamente ideológico que elas tiveram no passado. Não se trata de fazer uma oposição entre o setor privado e o setor público, uma oposição sem dialética, se eu posso usar a expressão. Nem se trata, tampouco, de imaginar que a única forma pela qual se pode bem gerir um país é através do setor estatal e, vice-versa, do setor privado, nem de imaginar, que através de concessões, se esgota o campo de cooperação entre o capital privado e o setor público.
Essas questões se colocam, nos dias que correm, de outra maneira. Elas têm condicionantes muito importantes, que não podem ser postas à margem por quem se preocupa pelos (sic) destinos de um país, como é o caso dos aqui presentes. Na verdade, o pano de fundo do que está ocorrendo no mundo de hoje tem a ver com transformações muito profundas, ocorridas há algumas décadas, na economia internacional.
Se me permitem uma pequena digressão de quem, alguma vez, foi professor e que sempre gostou de sê-lo, a mudança ocorrida depois da Segunda Guerra Mundial redefiniu, e redefiniu profundamente, o modo de produzir contemporâneo.
Se, logo nos primeiros anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a percepção que havia da distribuição internacional de trabalho guardava fortemente os traços daquilo que havia sido, desde o século passado e no começo do século, uma distinção clara entre países que se desenvolveram, que se industrializaram, países que, na linguagem de Prebisch, chamavam-se do "centro do sistema capitalista mundial", e países da periferia. E, nessa divisão do trabalho, certamente, aos últimos, aos da periferia, caberia apenas a função de exportação de matéria-prima, recursos naturais, alimentos e mão-de-obra e que, portanto, não haveria razão, até apelando muitas vezes sem nenhum conhecimento histórico para o pobre do Ricardo, para dizer que havia uma diferença de oportunidades, e que essas oportunidades seriam maximizadas à medida que se utilizasse os recursos naturais disponíveis em cada um dos dois setores do mundo. E se isso era, até certo ponto, o resultado de um fato histórico, depois da Segunda Guerra Mundial, já começaram (sic) a se alterar, já é visível que havia investimento nos países da periferia do sistema mundial de produção.
Levamos décadas, décadas, para perceber que isso havia ocorrido. Enquanto não se apercebia que isso havia ocorrido, nem cá nem lá, nem no centro nem na periferia havia muita resistência ao investimento de capital estrangeiro nos países da periferia. Resistências aqui, do lado de cá, porque se imaginava que esses capitais viriam para "explorar", levar as riquezas, sem nada deixar, modelo de enclave, e do lado de lá, porque se imaginava que não teria sentido produzir onde não havia mercados e que mais fácil seria obter o recurso através das trocas internacionais entre produtos industrializados e produtos primários do que fazer investimentos na periferia.
É nesse pano de fundo que num país como o nosso foi necessário concentrar nas mãos do Estado enormes quantidades de recursos e fazer com que esses recursos se destinassem a setores vitais da produção. Em épocas diferentes, em diferentes países da América Latina, ocorreu o mesmo fenômeno. Para não falar só do Brasil, o Chile foi talvez o caso mais exemplar em que isso ocorreu; e mais adiante se organizaram organizações específicas do Estado. No Chile chama-se Corfo, era corporação de fomento, era uma espécie de BNDE, formado ao (sic) ministério do setor estatal produtivo, que mais adiante alguns grupos de planejamento, para que se pudesse viabilizar o desenvolvimento econômico através da coleção de recursos, via impostos normalmente em contribuições, que permitisse a capitalização e o investimento (sic). Inúmeras tarefas posteriores de convencer que era possível transferir tecnologia, comprar tecnologia e enorme rechaço por parte dos países detentores de tecnologia de capitais, para aceitar a possibilidade de utilizá-los nos países da periferia. É sabido, no caso brasileiro, o enorme esforço que custou ao governo nos anos 30 definir linhas iniciais de uma produção siderúrgica, definir linhas iniciais de uma produção de petróleo. E tudo isso se fez neste mesmo modelo, o governo lançando mão dos recursos disponíveis através de impostos, apelando à iniciativa privada brasileira, estrangeira, em baldados esforços para ver se constituía uma base produtiva capaz de permitir que esse país acedesse (sic) a graus de riqueza mais condizentes com a necessidade de seus povos.
O caso da Siderúrgica Nacional é exemplar. Durante o governo Getúlio Vargas, imenso esforço, que envolveu inclusive estratégias políticas de aproximação com os grupos alemães, sobre o nazismo na época da (...) para tentar, não propriamente atraí-los pra cá, mas atrair os capitais americanos, quem sabe assim, sob ameaça de uma penetração alemã, abrisse espaços maiores ao Brasil, para que o Brasil pudesse ter investimento estrangeiro. Foi preciso enviar uma missão à Alemanha, para que se conseguisse uma negociação, se entabulasse uma negociação, que permitisse talvez o desenvolvimento da Siderúrgica Nacional, que nasceu com capitais privados e que depois não tiveram condição de sustentar a ampliação do capital e fez com que os capitais estatais sobrepujasse de longe e a empresa se tornasse uma empresa estatal e depois acordos feitos com o governo americano e com (...), nos quais estava incluído a questão da guerra e a questão de cessão das bases do Nordeste do Brasil, que foram muito importantes para vitória aliada na Europa, é que foi possível obter o aval necessário e obter os recursos tecnológicos para que Volta Redonda pudesse existir. Tudo isso tem nome e apelido de quem fez. Getúlio Vargas e Macedo Soares.
O mesmo se fez com o petróleo. O petróleo foi exatamente o mesmo procedimento. Durante os anos 30, enormes dificuldades para viabilizar a produção de petróleo brasileiro. Desinteresse dos investidores estrangeiros, desconhecimentos da geologia, ou às vezes até conhecimento adequado, como um senhor Lint, que foi quase linchado aqui e que tinha razão, porque dizia que o petróleo estava no mar e não na terra e aqui nós acreditávamos que isso era um despiste, para nós não encontrarmos o rico petróleo que teríamos debaixo do nosso naturalmente excepcional solo, que tem todas as riquezas, como convém a qualquer país. E na verdade, o petróleo estava realmente no mar, descobriu-se isso só décadas depois.
Não obstante, para que fosse possível a exploração do petróleo, houve também esforços baldados das iniciativas privadas, no caso, no nome de um ilustre escritor, Monteiro Lobato, está ligado a essa façanha, com algumas desditas, amargando até uma cadeia, sabe Deus por que razões; e finalmente, pelo esforço direto, novamente do governo brasileiro, foi possível criar condições para a exploração estatal do petróleo, primeiro Conselho Nacional do Petróleo, mais tarde a Petrobrás, com idas e vindas e aí também há nomes e apelidos, Getúlio Vargas outra vez e marechal Júlio Caetano Barbosa, que foi o primeiro presidente do Conselho Nacional do Petróleo e um dos incentivadores de uma política que permitisse ao Brasil dispor desse recurso.
Por trás disso havia uma outra visão. Essa não tem nada com a economia. Uma visão que, nas linguagens de hoje, se diria geopolítica, estratégica, a de estratégia militar.
Anos 30, anos de grande convulsão na Europa; os Estados Unidos recém-saídos de uma depressão profunda, anos de Roosevelt para recuperar da depressão, e, naturalmente, aqui uma visão de autarquia. A idéia de que cada país só podia crescer com recursos próprios. E próprios não queria dizer, então, recursos postos aqui, mas recursos daqui.
Veio a guerra; o Brasil participou da guerra; os aliados ganharam a guerra. Vêm os anos 50, nos anos 50 continua se consolidando essa mesma percepção. E nós passamos a uma fase em que há um forte debate de nacionalismo -chamava-se na época entreguismo, nacionalismo ou entreguismo. Fortes debates.
Já nessa época, esses debates ecoavam algo que não era condizente propriamente com os movimentos que se esboçavam no mundo, mas que ainda guardavam muito de perto a ressonância daquilo que tinha sido uma realidade dos anos 30 e dos anos 40: a necessidade de alguma preservação dos mercados e de uma ação fortemente estatal.
Getúlio de novo, e de novo a questão dos portos, a questão da eletricidade -a Eletrobrás; a questão do planejamento, e aí já não é Getúlio, é Dutra. Esforços para colocar em ordem os grandes espaços geográficos do Brasil e ter algum alvo, algum objetivo que fosse aceito nacionalmente e que permitisse o crescimento das nossas economias.
Se consolidam algumas dessas empresas; existem algumas transformações importantes, provocadas, alavancadas por essas empresas; começa a haver uma certa incapacidade de financiamento e, sobretudo, de investimento, de capitalização de alguns setores que haviam sido concedidos desde antes à iniciativa privada, sobretudo no setor elétrico. Então se dá a crise das geradoras de energia e das distribuidoras de energia sobretudo.
Nacionalizações: no Sul, na Light and Power, no Rio, em São Paulo, empresas que estavam aqui desde o começo do século. Mas a lei de concessões, que então as regia, o prazo da concessão terminava; o mecanismo de concessão era baseado em procedimentos que tinham a ver com a remuneração do capital investido. Permitia, portanto, a remessa de recursos para fora, na proporção dos lucros que deveriam ser garantidos em uma certa taxa; medo de que não houvesse a continuidade da concessão; desinvestimento; baixa qualidade dos serviços; nacionalização dessas empresas.
Assim entramos nos anos 60. Só que nos anos 60, já começava a aparecer, aqui e ali, que alguma coisa havia ocorrido no sistema produtivo mundial, que não se sabia bem o que era.
Se me permitem um tom pessoal nessa apresentação, que não é muito ortodoxa em termos de ações governamentais, eu lhes diria o seguinte: nos anos 60, no Chile -o embaixador do Chile aqui está- eu escrevi um livro chamado "Dependência e Desenvolvimento da América Latina". E tive que inventar alguns conceitos, porque não existiam os conceitos adequados para descrever o que estava acontecendo.
Toda a leitura desse processo era feita em termos de entreguismo e nacionalismo. Ou se fecha a economia e cresce com a ação do Estado, ou os capitais estrangeiros não vêm, ou se vierem é para explorar como aves de rapina.
Muito bem. Na verdade, os capitais já estavam vindo. E não estavam vindo como no passado, sob a forma de enclave, que nada deixava ao país, mas estavam vindo para fazerem investimentos produtivos na periferia.
Juscelino Kubitschek: a indústria naval, a indústria automotora, tentativas de indústria de aviação, enfim, um outro tipo de abordagem do problema do crescimento industrial.
E o Brasil é apenas talvez o mais (pelo tamanho) que mais (sic) chama a atenção do que ocorria em toda a América Latina. Começava a vir, e não só -não vamos entrar em detalhes-, começava a haver já um afluxo de capitais, e que, ao contrário do que ocorreu nos anos 30, quando o governo brasileiro insistia, pedia que viessem os capitais e eles se recusavam -a United States Steel Corporation se recusou a participar de Volta Redonda, sob o fundamento de que não havia mercado, de que o Brasil podia importar aços planos.
Olho aqui para o deputado Wellington Moreira Franco, que estudou essa matéria, estudou automobilística, e me recordo de teses antigas que mostravam todos esses procedimentos das grandes decisões do desenvolvimento que Luciano Martins fez.
Quando nós entramos nesse período de que já existia um afluxo de recursos, a consciência dos nossos países não registrava isso. Não registrava isso e continuava dizendo que, se nós quiséssemos crescer, tínhamos que fechar e tínhamos que ter investimentos via Estado.
E os resultados aí estavam, os recursos tinham sido coletados via imposto, e deram frutos. Está aí a Petrobrás, está aí a Eletrobrás, estão aí os grandes empreendimentos estatais, como está a Pemex, como estava a IPF Argentina, ou as empresas de cobre do Chile, ou a petroleira do Chile. Estavam lá os resultados, visíveis, palpáveis de um tipo de desenvolvimento. Então, para quê outro desenvolvimento? Então, não se percebia que o mundo estava mudando. Me referi ao fato que escrevi um livro. E nesse livro tivemos que inventar um conceito e, aliás, impróprio. Dizíamos: está havendo a internacionalização do mercado interno. Hoje, chama-se "globalização". Eu escrevi isso em 66, 67. Não existia a expressão "multinacional", ela foi inventada depois por um grupo de americanos de Harvard, de (...). Não se usava a palavra "multinacional", usava-se a palavra "trust" e "cartéis". Quer dizer, não, aqui já o que está acontecendo é um fenômeno novo, porque o modo de produzir está se internacionalizando. Perdão, os mercados estão se internacionalizando.
Eu vi uma meia verdade. Não eram só os mercados, era o sistema produtivo. A produção começava a se internacionalizar já no fim dos anos 60. Esse fenômeno tomou conhecimento, 20 anos depois é que a sociedade tomou conhecimento -é sempre assim-, em que a sociedade começou a perceber, os jornalistas, que são sempre rápidos, perceberam talvez mais depressa que os outros que tinha havido um processo de 20 anos atrás. E foram os primeiros, porque a academia custou mais tempo para reconhecer que tinha mudado o mundo.
Bem, e daí por diante o mundo continuou mudando, e não vai parar de mudar. Hoje, nós temos uma economia globalizada.
Eu repito sempre uma frase, dita há uns dez anos, de um antigo secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista Italiano da época, Napolitano, chama-se ele. Ele veio ao Brasil e deu uma entrevista a uma revista brasileira e disse: "A questão não é se vai haver a internacionalização. É se eles vão nos internacionalizar ou nós". Eu acho essa expressão muito interessante, porque a internacionalização é um fato, ocorreu, o mundo mudou. A estrutura produtiva, hoje, é global.
Agora, ao ser global, isso não significa que o interesse nacional desapareça -vejam o embaixador americano, que sabe muito bem que não desapareceu. Onde ele é mais forte é nos Estados Unidos. Mas a (...) da internacionalização e não de fechar os olhos à internacionalização. O que que um país como os Estados Unidos faz quando a economia se internacionaliza? Deixa que os japoneses entrem? Não reage? Deixa que os russos envolvam mais seu sistema educativo, não reage? Ou reage e luta para competir? Eles tomaram o caminho certo, reagiram e lutaram pra competir, aí é a nossa vez de brasileiros (sic). A globalização está aí, o que que nós vamos fazer? Dizer que a globalização é contra o interesse nacional ou defender o interesse do nosso país, ingressando na forma que nos parecer a mais adequada no processo de internacionalização, como pela competição, pelo desenvolvimento tecnológico, pela abertura de capitais, pela chamada desses capitais a participar do nosso crescimento.
Esse é o nosso, nossa questão, nosso desafio. Eu vejo, eu diria que com bonomia e com uma certa pena, cartazes nas ruas que dizem: contra as reformas. Eu digo: mas meu Deus! Eu sou tão católico assim, que os protestantes não me queiram? Estamos voltando à época das trevas, em que a inquisição era contra as reformas? Hoje, os católicos são à favor, será isso? E os protestantes também, aliás, me vieram procurar anteontem para apoiar, quer dizer, é esse o nosso dilema. O nosso dilema é que a consciência social vem sempre atrasada, e as pessoas que pensam que estão na vanguarda, quando o mundo muda, ficam lá atrás e tem a arrogância, dizem que os outros é que tem, tem ainda arrogância de pensar que estão na frente.
Esse é o nosso desafio, nós temos que fazer, estamos fazendo, o nosso "aggiornamento", esse "aggiornamento" implica em rever muita coisa, a lei de concessões vem nesse bojo. Vem no bojo de um "aggiornamento". Os líderes políticos estão começando a entender o processo, nós estamos começando a entender que temos que mudar, temos que tomar passos audaciosos para defender o interesse nacional ao nível do desafio contemporâneo, e não olhando pra trás e mostrar, como estamos mostrando, que o interesse nacional continua muito firme e ele requer a lei de concessões, ele requer parcerias, ele requer privatizações, ele requer a vinda de capitais.
Para fazer tudo isso, e nós não temos só a lei de concessões, quer dizer, requer a lei de concessões, requer privatizações, requer parcerias, são coisas diferentes e é preciso deixar bem claro, para que os investidores estrangeiros não se confundam e também eles, que muitas vezes também, é claro, são seres humanos, também percebem atrasados as coisas, o Brasil muda eles vão pensar que é lá fora (sic), custam a perceber que mudou, assim como nós aqui dentro também custamos a perceber que eles mudaram.
Então tem que entender que isto é parte, não é o todo. Nem tudo se poderá resolver pelas concessões; nem tudo pela privatização, nem tudo pela parceria e nem tudo pelo Estado, e a César o que é de César. Nossa tarefa agora, nós, políticos, que tomamos decisões, é ver apropriadamente como fazer uma combinação entre esses vários instrumentos de que nós dispomos, para melhor servir ao país. Por isso que eu disse que não se trata mais de uma questão ideológica à antiga. Há uma nova ideologia. Hoje, ou se está com a reforma, perdão a expressão, a contra-reforma (sic). Quem está contra a reforma é atrasado, quem está contra a reforma é guardião do passado, mas não da boa tradição. A boa tradição é aquela que manda servir bem ao povo; quem fica com o atraso, que serve ao povo, apenas faz um pleito ao desconhecimento, não faz realmente, não tem um procedimento que ajude a abrir veredas, abrir caminhos para que o país avance.
Hoje o que divide, é isso, quem viu o que acontece no mundo e no Brasil, quem portanto se propugna para que dentro desse novo mundo o Brasil se situe bem, ou quem pensando o que que se vai fazer que a melhor maneira de servir ao país é fazer com que ele não ande, se alerta a preconceitos e atrapalha ao povo e o crescimento do país.
Portanto quando eu disse que acabou uma ideologia, acabou uma, mas nasceu outra, e hoje a vanguarda são os que querem a reforma, progressismo é querer a reforma. Neoconservadorismo é não querer a reforma, é se aferrar a velhas idéias, de boa fé, não nego, mas há frases bíblicas que qualificam o que acontece com esse tipo de gente. De boa fé, mas não ajuda.
Nós estamos aqui pra ajudar, estamos aqui pra dizer que o governo, ao impulsionar esse seminário, ao pedir a cooperação da iniciativa privada, ao definir como vai fazê-lo de forma detalhada, a questão da lei de concessões, ele vai continuar assumindo responsabilidades. Não se pode bem conceder, nem bem privatizar se não se reorganizar o Estado.
A tarefa é grande, é outra ilusão, a de pensar que o mercado substitui o Estado, é a mesma ilusão dos que não têm imaginação, dos que pensam que é branco e preto, não é bem assim. Nas novas condições, há um novo Estado, se nós não organizamos o novo Estado, se nós ficamos com o velho Estado, ele não terá condições de se enfrentar como mundo moderno. Temos que ter um novo Estado, esse novo Estado tem um papel decisivo, não se iludam. Nós não estamos marchando para aquilo que os (...) chamam (...) society, não é assim, é o contrário; eles lá também estão refazendo suas concepções de Estado. Como eles não gostam muito de pensar em termos abstratos, fazem na prática. O Estado atua e atua muito fortemente, basta ter uma conversa com o (...) para verificar se é forte ou não é forte. Fortíssimo, o nosso tem que ser também, mas tem que ser um novo Estado. Não adianta ser forte numa burocracia numerosa, reivindicativa e incompetente. Tem que ser uma burocracia do tamanho necessário, pode até ser grande, reivindicar mais pelo país e mais competente. Competente não para dizer não, a partir de um prisma do passado, mas para dizer sim ao país, a partir de um prisma do futuro.
Isso cabe a nós fazer. O Ministério de Minas e Energia, a Secretaria de Assuntos Estratégicos, o Ministério de Administração e cada um dos ministérios, Transportes, Comunicações, Minas e Energia, os ministérios mais diretamente vinculados com essas áreas que serão abertas a concessão, tem eles próprios que se reformular, para que eles próprios tenham a capacidade de julgar, de fiscalizar, de controlar, de defender o interesse nacional, de propor licitações que sejam licitações adequadas ao interesse do país, de fazer com que efetivamente todas as áreas do país sejam beneficiadas. Não se trata de entregar ao que se chama aqui de filé mignon a um tipo de iniciativa e deixar o osso pra outra, trata de balancear isso. Mas certamente não haverá político -aqui há muitos- que tenha condição de chegar ao plenário da Câmara ou do Congresso e de dizer: eu vou aumentar os impostos porque eu quero investir mais em estrada ou energia elétrica.
Cada um dos congressistas, e talvez os ministros, vão querer ter uma porção garantida do orçamento do seu pedaço. Só que quando eu somar tudo dá 150% do Orçamento; é inflação. Porque quando se der os recursos necessários, vinculados a cada ministério, é 150 a 200% do Orçamento. Por quê? Porque ninguém vai querer pedir aumento de imposto.
Veja a Previdência. A dificuldade de fazer passar um pequeno aumento de imposto, de quem pode pagar para poder financiar o mínimo. Querem o mínimo mais alto mas não querem imposto.
Imagine se falar de imposto para aumentar o investimento em telefone. Agora, e o consumidor brasileiro? Vai ter que pagar 7 mil reais por um telefone o resto da vida? Vamos ter que ter 80% das pessoas sem telefone no Brasil -sei lá quantos são- sempre? Para garantir o quê? A Telebrás, a Telerj, a Telesp? Elas não precisam disso, elas são fortes. Quer dizer, precisam competir; precisa abrir, precisa ter mais capital, para que o povo ganhe, para que o consumidor ganhe.
Essa é a questão. A questão que está posta aqui é de abrir, para que o consumidor tenha vantagem, o povo tenha vantagem. E como é que faz? Como é que atende a essa demanda toda? Mantendo altas as tarifas? Encarecendo tudo? Diminuindo o ímpeto da economia brasileira para beneficiar quem? Não é o Tesouro, porque muito pouco desses recursos vêm para o Tesouro, ou quase nada. As empresas? Mas por quê? Por que que eu vou beneficiar empresas? Eu tenho que beneficiar o povo.
Vamos abrir. Vamos privatizar também. Não nos iludamos. Não vai bastar a concessão. Não vai bastar a joint-venture, parceria. Nós vamos ter que abrir também. Aí é a política, decidiremos nós. Nós não sou eu, é o Congresso, com o governo. Decidiremos que parte do quê (sic).
Senhores, este governo, que tem apenas três meses, talvez tenha mexido em vespeiros demais. Mas eu disse em meu discurso de posse que mexeria em vespeiros. Vejo, às vezes, dizer: "Ah, mas o governo não está fazendo nada". Ah, se eu começar a fazer então! Porque nós já mexemos em muita coisa. Mexeremos com o cuidado necessário em outras coisas. Mexemos naquilo que parecia "imexível" (risos). Mexemos com o sentido da responsabilidade.
O que que o governo pediu ao Congresso com respeito ao petróleo? Pediu que o Congresso assumisse a sua responsabilidade que, ao invés de deixar que uma empresa, pela qual fui processado, não por ela, por defendê-la, e não me arrependo, que uma empresa como a Petrobrás pudesse decidir sozinha o que fazer com o petróleo. Por quê? Acaso tem mandato maior que o meu, ou que o dos deputados? Por que então não perguntar à Câmara e ao Senado se concordam ou não que o gás de Urutu seja explorado em parceria, ou que um setor seja explorado, uma destilaria seja feita pelo capital privado? Aqui nós temos. Que dano faz à Petrobrás as três, quatro destilarias (sic) privadas que o Brasil tem?
E as telefônicas? Também temos. E quanto por cento do capital das telefônicas é estatal, os senhores sabem? Será 30%? Esse barulho todo e tem 70% de não estatais, que ganham com o lucro das "teles". Então, quem defende isso, interessa a quem essa atitude tão radical? Aos funcionários, às corporações, aos sindicatos? Eles têm razão de se defender, devem até. Mas nós temos o dever de impedir que o interesse particular se sobreponha ao nacional, ao geral, ao do povo.
E o Congresso, quando eu pergunto: "Aceita ou não aceita que no petróleo os senhores, deputados, não abram mão da sua prerrogativa de decidir caso a caso?" E aí alguém de má fé já diz: "O presidente vai mandar uma medida provisória". E acaso o presidente é cretino? Talvez, quem sabe (risos). No julgamento dos que vêem tudo olhando para o passado, talvez imaginem que ser uma pessoa aberta, franca, que gosta de discutir seja uma cretinice. O que eu vou fazer? Na verdade, a idéia é deixar que o Congresso decida. Aí, dizem logo: "Mas, meu Deus, e a regulamentação?" Mas quem vai fazer a regulamentação? Regulamentar o quê? Se cada caso depende do Congresso. Cada caso depende do Congresso, no caso do petróleo. "Ah, vamos fazer uma medida -como é que chama- uma lei complementar." É desconfiança de si próprio. Meu Deus, um Poder que não se assume não é Poder. Que assuma. Eu estou pedindo ao Congresso que assuma a responsabilidade histórica de ajudar o Brasil a dar um salto, e que ele próprio seja o juiz de aonde dar esse salto, em que caso dar esse salto. Eu creio que o Congresso é sensível a isso. Não pode deixar de ser. Não pode decepcionar milhões de brasileiros que confiam, como eu confio no Congresso. Vim de lá. Mas, vamos ter que decidir essas questões. E o tempo é curto, e o tempo urge. Não é curto para mim, não é curto para os senhores, é curto para o país. E me apenas ver (sic) que questões nacionais sejam debatidas no nível de: "Mas, a quem interessa? É a fulano, é a beltrano?"; "Ah, o presidente vai viajar. Vamos ou não vamos votar tal lei antes de ele viajar?" O presidente viaja com lei ou sem lei, e tem um relacionamento muito aberto com o mundo. Nunca temeu, em outros momentos mais difíceis, as discussões fora daqui, não temerá agora, quando nós temos um país florescente, sólido, com uma população que já sabe tanta coisa, com desenvolvimentos que conseguimos, tão sustentados.
Não se trata disso. O desafio que está posto é o desafio realmente de saber se as pessoas sentem a urgência do povo, que não pode continuar à míngua de certos desenvolvimentos tecnológicos, como abrir o telefone celular, meu Deus. Aliás, o Brasil abriu com lei, sem lei, o tribunal não resolveu. Porque a vida vai, às vezes, mais depressa do que a gente pode contê-la.
Nós vamos fazer o necessário. Nós, não sou eu. Quando digo isso, já vejo algum editorial dizendo: "O presidente abriu mão da sua liderança...".
Liderar a democracia não é impor. Liderar a democracia é ter a paciência pedagógica de repetir e convencer, ou de ser convencido. Mas é de persistir, é de ter objetivos, é de saber separar até o interesse próprio do interesse coletivo, é o de respeitar o interesse de todos, até os mais, digamos, restritos, os corporativos, que também são interesses, mas é de não perder de vista o interesse nacional, é de não perder de vista os objetivos. Esses, nós não vamos perder. Essa lei de concessões, senhores ministros, foi o primeiro resultado concreto da ação deste governo neste ano, a aprovação dela. Essa Lei de Concessão, agora, precisa de conhecimento e do respaldo da sociedade e dos investidores. Precisa da velocidade das burocracias, que as redefinições dos ministérios sejam feitas com presteza. E precisa da clarividência dos que vão desenhar os modelos dentro dos quais nós vamos trabalhar.
Eu espero, senhores ministros, senhores e senhoras aqui presentes, que esse seminário sirva para isso, para que nós nos motivemos mais, com o espírito público, para que nós transformemos em realidade o que, muitas vezes, é apenas palavra, para que nós empenhemos os que têm recursos, seus recursos, os que têm talento, seu talento, na construção de um Brasil capaz de manter-se muito forte, muito competente, para distribuir melhor sua riqueza, muito afim com o sentimento do seu povo. Mas que o faça no espírito da nova era, porque nós estamos nos aproximando do novo milênio, e ficar olhando para os 50 anos que passaram pode a alguns dar saudades, mas certamente aos que estão ansiosos por atender às necessidades dará angústia de ver o tempo passar, as lágrimas de crocodilo rolarem e incapacidade de ver o novo transformar-se numa obsessão de gente muitas vezes tão generosa, mas que perde tanto tempo em gritarias inúteis, em esforços de obstrução inúteis.
Porque a história, queiramos ou não, não sei se ela é uma roda, mas ela atropela. E ela não vai parar, e o Brasil vai estar muito afinado com a história, e este governo fará tudo que puder para estar ao lado da história, se não puder estar à sua frente.
Muito obrigado.

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