São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Insensibilidade bilingue

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Para o governo, tudo vai bem. A única dificuldade, até agora detectada, diz respeito à comunicação. Embora se considere um gênio na matéria -e seus arautos garantem que, depois do finado Chacrinha Barbosa, nunca houve comunicador como ele-, o presidente da República tem sido o principal promotor e animador de algumas trapalhadas, sendo a mais nefasta o aviso antecipado das tais bandas, que deram um rombo de US$ 4 bilhões em nossas reservas.
A mais recente trombada foi com a Anistia Internacional. Se em vernáculo a comunicação presidencial não é lá essas coisas, em francês parece que a coisa piora, apesar dos cursos que ele andou dando em Nanterre.
O fato é que o Planalto emitiu nota explicando que "o presidente (FHC) acredita que, ao se exprimir em língua estrangeira, não foi entendido pelo sr. Sané ou que, mesmo entendendo a língua, o secretário-geral da Anistia não tenha entendido as suas colocações".
Imensa parcela do povo brasileiro, falando a mesma língua de FHC, também não entende as suas colocações. Daí que, periodicamente, ele se sinta obrigado a pedir que esqueçam alguma coisa e logo em seguida peça que esqueçam que ele pediu para esquecer.
De esquecimento em esquecimento, ele esqueceu até a necessidade de um intérprete que lhe é garantida pela rotina do protocolo internacional. Chefes de Estado mais poliglotas do que ele, mas menos vaidosos, não dispensam um profissional em entrevistas desse tipo.
O assunto é delicado: os 144 desaparecidos durante o regime autoritário precisam ter sua identidade recuperada. Compreende-se que o governo evite processar ou punir os responsáveis, mas pelo menos deve aceitar que a Anistia Internacional se preocupe com aqueles que foram assassinados não faz tanto tempo assim.
A sensibilidade política do presidente ficou acima de sua sensibilidade humana (a que conta, afinal). Ele deve estar satisfeito com a sua esperteza em não querer botar a mão num vespeiro. Como deve estar satisfeito com a excelência de seu francês.

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