São Paulo, quinta-feira, 13 de abril de 1995
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Temor e amor

OTAVIO FRIAS FILHO

Como se já não houvesse nuvens o bastante no horizonte, agora mais essa: FHC não pode sair do Planalto sem correr o risco de levar pedras e tomates. O presidente se amarrou ao Plano Real e conforme a moeda emite sinais de crise, a oposição de rua aproveita para cutucar a onça, como é seu dever.
Só que a onça não é onça, é tucano. Incrível a má-consciência desse governo de requintados, de dissidentes de paletó, da "esquerda festiva", como diziam antigamente. Veja-se o caso do ministro Bresser, um dos melhores espíritos neste ou em qualquer governo.
Depois de receber uma comissão de demitidos por Collor que haviam arrombado, minutos antes, uma porta nas cercanias do seu gabinete, ele desarmou a segurança do ministério. A medida pode ser gandhiana. Mas quem deveria seguir Gandhi são os que estão do lado de fora, não os de dentro.
Janio de Freitas comentou ontem esse episódio e como nossos pontos de vista não coincidem, quem deve estar certo é ele. Em benefício da dúvida, vamos admitir que se trata, na melhor das hipóteses, de ângulos complementares.
Mas nunca é excessivo insistir na distinção clássica entre manifestação pacífica e manifestação que usa violência física. Em qualquer democracia que não aspire a ser República de Weimar, aquela é sagrada enquanto esta é reprimida com violência igual, de preferência superior.
Os ministros talvez andem com nostalgia das "suas" passeatas, aquelas -contra o regime militar- nas quais a elevação moral da causa harmonizava, aparentemente, com o desprendimento de interesses mesquinhos. E talvez confundam estas com as antigas, achando-se culpados.
Mas as passeatas sempre têm razão, quem grita em protesto não pode estar errado. Bem ou mal, é a vontade da maioria, é a sede de justiça que se plasma às cegas, às vezes estupidamente, nos slogans berrados por um punhado de profissionais. O que mudou, então?
A mudança é que o campo retórico da esquerda desmilinguiu e o da direita cresceu. Por isso distinguimos com clareza, nesses protestos esquálidos, a nudez do interesse parcial, minoritário, mal oculta sob o véu generoso mas esburacado dos velhos ideais.
Todo governo tem sua lua-de-mel com as fantasias cortejadas na campanha. Passados alguns meses, é a hora dos profissionais, dos capazes de remover milhares de famílias de agricultores com um "visto", dos que entendem o poder como mera reprodução do poder.
Essa é a triste verdade da política, apenas mais tosca e brutal, não pior, aqui do que na Dinamarca. A população quer "menores preços, melhores salários", o governo quer se eternizar, a oposição quer derrubá-lo já, se possível.
E como todo mundo dá palpites na comunicação do governo, aqui vai mais um. Assuma os seus estigmas, arque com as consequências. A sabedoria do governante consiste em projetar, dentre as suas falhas, aquelas que serão vistas ao longo do tempo como qualidades.
Não joguem futebol, como Lula faria: sejam o que são, "conhece-te a ti mesmo". Ao personificar a piada do mineiro no Rio, Itamar Franco deu vida ao pão-de-queijo, ao Fusca, a Forrest Gump. Na política, da mesma forma que no amor, as pessoas começam se apaixonando pelos defeitos.

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