São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Jesus pregou a revolução e foi condenado

WALTER CENEVIVA
DE EQUIPE DE ARTICULISTAS

O domingo de Páscoa e o seminário promovido pela Folha sobre o mito de Jesus constituem irresistível inspiração para tratar da vida e da obra desse homem extraordinário, merecedor da maior admiração, mesmo por aqueles que são estranhos às religiões que dele se originaram.
O império romano estava em pleno apogeu, dominando o mundo conhecido, a contar de Roma, sobretudo ao redor do mar Mediterrâneo, em cujo extremo leste se encontrava a Judéia, quando nasceu Jesus de Nazaré. Além da força das armas, o império romano tinha a força da cultura, com os acréscimos que lhe haviam chegado do pensamento grego. Um cuidadoso canal de comunicações e de influências foi criado e se desenvolveu, facilitando o domínio.
A região onde se situa Jerusalém tinha pouca importância econômica ou estratégica para Roma, o que explica a insuficiência de informações históricas sobre ela, mesmo ao tempo de Jesus. Sabe-se, porém, que com a queda de Jerusalém, quase 600 anos antes de Cristo, ocorreram os primeiros sinais da separação entre a religião e o Estado.
Todavia, com Jesus estabeleceu-se uma dupla série inovadora de incentivos à separação, fazendo dele um revolucionário que investia contra os nomes sagrados do dominador romano, em comportamento absolutamente contrário à tradição greco-romana, que afirmava a ligação entre a ordem religiosa e a ordem estatal. Paradoxalmente, também investia contra a ortodoxia de seu povo, liderando uma facção diversionista dos ensinamentos dela.
Decorria das palavras de Jesus a seus discípulos que estes deveriam ser leais apenas à sua própria irmandade, apenas a seu grupo, nem se submetendo à regra romana, nem acolhendo o ensinamento da oficialidade judaica. Ora, para Roma -mesmo à distância e mesmo numa região desprovida de maior interesse político-econômico- essa manifestação era insuportável.
Para perceber o perigo que o homem de Nazaré representava para o poder romano (para o que hoje se chamaria de "ordem constituída") basta lembrar que ele admitia a lealdade do dominado à política do dominador, mas excluia de qualquer lealdade possível a simultânea adoração dos deuses oficiais. Ao contrário, afirmava a unitariedade de deus. Com isso, o cristão passou a ser mal visto pelo governo de Roma e, ao mesmo tempo, mal visto pelos seus concidadãos da Judéia.
Estavam, pois, postos os ingredientes político-sociais para sua condenação. Ele -embora sabedor dos perigos que o aguardavam- foi em frente, na defesa de suas idéias. Pouco importa, sob esse aspecto, que as regras processuais tenham sido mal cumpridas, ou descumpridas no julgamento.
O descumprimento não foi novidade com Cristo (pois ocorrera, antes, com outras figuras notáveis), nem deixou de se repetir milhares de vezes depois, inclusive no seio do próprio catolicismo, inexorável e impiedoso, na perseguição dos que recusavam sua dominação, durante a Idade Média.
Em recentes períodos revolucionários no Brasil e na Argentina até a neutralidade diante do poder ditatorial era encarada com desconfiança, mostrando que não há nada de novo sob o sol.
Na tradição artística cristã -sem muita base histórica- há a referência a Jesus entregando as novas leis a seus seguidores, como se vê em um mosaico, na igreja de Santa Constância, em Roma. Ele não chegou a tanto, mas quis a distinção entre o imperador e o deus. Por isso morreu, como um perturbador da ordem. Se voltasse agora, teria, novamente, o mesmo destino.

Texto Anterior: Rumo ao metaconstitucionalismo
Próximo Texto: Velocidade atinge 80 km/h na 'av. da morte'
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.