São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995
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Bancada do contribuinte

ANTONIO KANDIR

O embate da bancada rural com o governo tornou-se questão-chave para o futuro do Real
Ninguém em sã consciência pode duvidar da importância da agricultura.
Para ficar em números recentes, registre-se a estimativa de safra de grãos superior a 80 milhões de toneladas este ano e a elevação expressiva das exportações de produtos agrícolas, primários e semi-elaborados, responsáveis por 70% do crescimento global das exportações brasileiras em janeiro e fevereiro últimos.
São contribuições decisivas para o sucesso da estabilização e de superávits na balança comercial, além de outras tantas que a agricultura oferece ao país em termos de renda, emprego e oferta de alimentos.
Assim como a importância da agricultura, também é inegável a gravidade do problema com que se defronta hoje o setor, em virtude do grau acentuado de divergência entre os preços de mercado e a Taxa Referencial de Juros (TR), que serve de parâmetro para a correção do custo financeiro dos contratos de crédito agrícola.
Os primeiros mantiveram-se relativamente estáveis desde a implantação do real. Já a TR exibiu, desde setembro do ano passado, quando começaram a ser firmados os contratos para financiamento da safra de verão, um aumento acumulado de cerca de 20%.
Foi esta discrepância o pivô do que ocorreu na semana passada no Congresso, quando da derrubada do veto presidencial à decisão legislativa que vincula a variação do custo financeiro dos contratos agrícolas à variação dos preços mínimos.
Desde então, o embate da bancada rural com o governo tornou-se questão-chave para o futuro do Plano Real. A relevância é evidente: aceitar os termos da decisão legislativa vetada em maio de 1994 produziria, a prevalecer a duvidosa tese da retroatividade, rombo financeiro não interior a R$ 2,5 bilhões.
Neste caso, assim como em qualquer alternativa que implique "descasamento" entre taxa de captação e taxa de repasse dos recursos do crédito rural, haveria diferença a ser coberta. A questão é saber quem pagaria a conta.
Ora, mande-se ela para o Banco do Brasil ou para o Tesouro Nacional, serão os contribuintes, quer sob a forma de mais impostos, diretos ou indiretos, e/ou mais inflação, dado o efeito desastroso do "pindura rural" sobre as contas públicas. Desnecessário dizer que esta é "solução" inteiramente inaceitável.
Mas qual é então a solução aceitável? Sendo impossível defini-la previamente, importa assinalar as condições necessárias para estabelecê-la em patamar adequado: i) a solução aceitável não pode aderir ao "particularismo" da bancada ruralista; ii) deve contemplar o ataque efetivo à causa do elevado custo financeiro no Brasil, problema que afeta não só o setor primário, mas toda a economia brasileira. A causa, não é segredo, está no desequilíbrio estrutural das contas públicas.
O "particularismo" da bancada ruralista expressa visão míope do problema, na pior tradição de certa elite brasileira.
Cedesse o governo à pressão que vem exercendo, haveria benefício temporário para o setor, em especial para uma minoria de proprietários rurais pouco afeitos ao pagamento de empréstimos (dados do Banco do Brasil indicam que apenas 0,3% dos tomadores de crédito respondem por 70% do valor dos calotes aplicados). À custa, porém, do Plano Real e da viabilidade futura de todo e qualquer financiamento adequado à agricultura.
É, portanto, não só do interesse do país, como também do interesse da vasta maioria dos produtores rurais, que a solução se faça pelo ataque à causa e não pela supressão artificial e socialmente nefasta do sintoma.
Se queremos e precisamos de taxas de juros em patamares "civilizados", ponhamo-nos então de acordo sobre a reforma da Previdência, sem recuar diante do primeiro obstáculo, ponhamo-nos de acordo também sobre todas as demais reformas de natureza fiscal, com espírito público e visão de longo prazo.
Fora daí, é a reprise do velho hábito de sorver recursos do Tesouro e socializar prejuízos, que destruiu as finanças do Estado e fez decolar as taxas de juros.
Acabar de vez com este vezo secular de certa elite predatória não é tarefa exclusiva do atual governo, que a vem cumprindo corajosamente, mas de todos os que, no Congresso, apóiam seus mandatos na defesa dos interesses gerais dos contribuintes.

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