São Paulo, domingo, 16 de abril de 1995 |
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Recessão é falsa solução
LUCIANO COUTINHO Erramos: 19/04/95A recessão só é eficaz para conter a inflação por curto espaço de tempo Destituído de sua viga-mestra -o câmbio "fixo"- o Plano Real atravessará uma etapa crítica nas próximas semanas. Pressões inflacionárias repontam aqui e ali, indicando uma elevação do índice mensal para 3% -aguçando o risco de generalização da indexação informal preços-preços (muito mais perigosa e efetiva do que qualquer regra de indexação formal salários-preços). No que toca ao câmbio, a relativa calmaria obtida após o tarifaço aduaneiro sobre automóveis e bens duráveis pode se romper à medida em que se perceba a insuficiência do ajuste. Com efeito, as empresas automobilísticas optaram por absorver a maior parte do impacto, repassando apenas parte do aumento da tarifa para os preços finais dos importados. Com isto, as importações tenderão a cair apenas lentamente. De outro lado, as exportações vêm crescendo apenas modestamente, sob o estímulo de juros polpudos nas operações ACC. A forte queda do dólar frente ao iene e ao marco alemão ajuda um pouco a exportação para o Japão e Europa, mas a inflação interna já vem erodindo a pequena desvalorização do real de 7% operada no início de março. Em resumo, o nível atual da taxa de câmbio não parece suficiente para garantir uma reversão firme da balança comercial em direção a um superávit mensal superior a US$ 1,5 bilhão no segundo semestre. No momento em que os agentes econômicos perceberem a inevitabilidade de novo ajuste, as coisas poderão ficar complicadas no plano cambial, exacerbando as expectativas de inflação. Aos olhos da equipe econômica, a superveniência de um forte desaquecimento da economia seria oportuna -para ajudar a reversão da balança comercial e "abafar" temporariamente as tensões inflacionárias. Não está, pois, descartada uma ofensiva governamental de contenção da demanda final para provocar a recessão. Mas, do ponto de vista político, uma recessão terá custo elevado, dificultando a já precária coordenação da aliança parlamentar governamental. Além disto, nas condições da economia brasileira, a recessão só é eficaz para conter a inflação por curto espaço de tempo. Se for percebida como uma etapa de longa duração, que reduzirá o nível de utilização da capacidade instalada e aumentará os custos fixos unitários, a recessão tornar-se-á contraproducente, pois as empresas buscarão recompor margens. Esta conjugação de recessão com aceleração inflacionária já ocorreu antes, em vários momentos, numa economia fortemente oligopolizada, com empresas desendividadas, receptoras de receitas não-operacionais na conta juros. A obsessão em sustentar a estabilização a qualquer custo pode levar a um caminho que inviabilize o desenvolvimento, provoque resistência política e mine a própria estabilidade. A única forma de corrigir a defasagem cambial, sem recorrer a uma forte recessão e ao mesmo tempo criando margem de manobra política, é firmar uma agenda negociada de desenvolvimento sustentado, com apoio de setores organizados da sociedade e dos partidos. Mas, além de corrigir o desequilíbrio externo, é fundamental organizar novas fronteiras de investimentos. Desde a crise dos 80, o Brasil vem investindo além das suas necessidades de infra-estrutura, sem repor o capital social desgastado. A retomada do desenvolvimento implica elevar a formação de capital fixo para, pelo menos, 23% do PIB. Para isso, é urgente a reorganização do planejamento e das bases de financiamento da infra-estrutura: o congelamento das tarifas públicas vem erodindo os investimentos em energia e telecomunicações; o fluxo de recursos do BID e do Banco Mundial tem sido negativo nos últimos anos, retardando os investimentos em transportes, saneamento e energia. É necessário reverter logo esse quadro, pois sem o fortalecimento da capacidade pública de inversão torna-se muito difícil imaginar condições atrativas para o setor privado associar-se aos investimentos necessários. Um país como o Brasil não pode prescindir de uma base doméstica de intermediação e financiamento -dada a vulnerabilidade de uma extroversão financeira profunda. Assim, é requisito importante a criação de financiamento de longo prazo para o investimento privado: o sistema bancário deveria ser induzido a operar créditos longos com base em parte do atual (elevadíssimo) depósito compulsório. O desenvolvimento de operações securitizadas também poderia ser estimulado. Mas isso pressupõe a desmontagem do sistema perverso de financiamento do Estado com papéis curtos, de liquidez automática e juros absurdamente elevados, o que nos traz de volta à (des)política atual de juros altos e câmbio sobrevalorizado. Se o governo deixar-se ficar prisioneiro dela, a pretexto de que não existe alternativa, infelizmente retrocederemos ao "defensivismo" inflacionário que tem marcado a conduta do capitalismo brasileiro. Texto Anterior: Valor não reflete a economia Próximo Texto: Bancada do contribuinte Índice |
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